Segundo denuncia o Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), um vídeo amador posto a circular nas redes sociais da internet desde a manhã de sexta-feira, 15 de março, mostrando pelo menos dois membros da Renamo, um dos quais tratado por general, numa sessão de violência colectiva a Issufo Mussa Matano, um antigo vice-presidente da Assembleia Municipal da Ilha de Moçambique pela Renamo, está a chocar os amantes da democracia e dos direitos humanos e todas as pessoas de bem.
No vídeo, com aproximadamente quatro minutos, um homem, que aparenta ter mais de 50 anos de idade, aparece sentado no chão e descalço, com sinais de agressão. No fundo ouvem-se, pelo menos, três vozes, incluindo de quem está a filmar, a ameaçarem o homem por razões políticas, nomeadamente por alegadamente estar a organizar reuniões com jovens na sua residência e por desrespeitar a chefe dele (presume-se que se trata de Abiba Aba, delegada política da Renamo em Nampula).
Durante os cerca de quatro minutos, o homem é ameaçado com recurso a um pau, num exercício que parece de busca de alguma confissão, que remete a “modus operandi” de grupos mafiosos que recorrem à tortura para obtenção de informação.
O acto bárbaro tem lugar numa altura em que a direcção do maior partido da oposição é acusada de perseguição a todos os membros da Renamo que não concordam com a liderança do actual presidente, Ossufo Momade, tido como um dirigente fraco.
As cenas do vídeo, para além de violarem bens jurídicos, como a vida e integridade física, direitos humanos e fundamentais, revelam uma postura anti-democrática por parte da actual liderança que parece ter a tendência de recorrer à violência, sevícias, ameaças e abuso de poder para afastar opositores internos.
“…você sabe muito bem do que a gente está a falar. Na sua casa fazem-se reuniões e nós temos conhecimento. Você pode tentar criar mecanismos de se defender ”, diz um dos homens no vídeo.
“Na minha casa não se faz reunião. Ontem à tarde é que passaram quatro pessoas porque estava a chover e mais nada. Walai (juro), eu fico sempre na zona continental nas obras”, retorquiu a vítima que veste calças jeans azuis e uma camisete branca.
“…você percebe muito bem que nós estamos a sofrer por sua causa?”, questiona um dos agressores, apontando a vítima com um pau que, desesperada, volta a dizer que não faz reuniões na sua residência.
Só que a resposta não convenceu o homem que exibe o pau. “O senhor faz. Aquelas pessoas com as quais o senhor colabora são pessoas que pelo menos percebem o ponto de situação que o senhor sempre tem aprontado”, diz. E a seguir dá ordens para a vítima se deitar.
“Pode-se deitar mais um pouco, queremos lhe saborear mais”, ordena. “Estou a pedir desculpas. Walai bilai”, suplica a vítima.
“Senhor, não me obrigue a lhe bater onde eu não gostaria. Eu vou-lhe bater na cabeça”, diz um dos agressores. E o outro pergunta: “Você vai aceitar ser batido na cabeça?”
“Deite-se aí, deite-se. Eu quero ter uma lembrança minha”, ordena aquele que parece ser o chefe do grupo perante os pedidos de desculpas da vítima ignorados.
“Se não está a acontecer [porrada] é porque sabemos que o senhor é de idade. Por que é que não respeita a sua chefe que quando fala uma coisa o senhor contraria?”, Pergunta um dos agressores tratado por general.
“A minha casa na praia do Chocas Mar vou dar ao partido”, declara o homem visivelmente apavorado devido ao ambiente de violência a que era submetido.
O vídeo não mostra cenas de violência física, mas no desenrolar do mesmo, principalmente na parte onde o homem tratado por general diz “Pode-se deitar mais um pouco, queremos lhe saborear mais”, fica claro que antes da filmagem o homem foi submetido a violência física. Segundo apurámos, o assunto já é de conhecimento das autoridades, mas Issufo Missa Matano está em parte incerta por temer o pior.
Momento sombrio na Renamo de Ossufo Momade
A cena do vídeo tem lugar numa altura em que a Renamo vive uma das piores fases da sua existência que começou com a contestação a Ossufo Momade por parte da ala militar, que alega que o actual presidente tinha abandonado a linha de negociação do falecido líder da “Perdiz”, Afonso Dhlakama, no que tange ao processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração. A crise agravou-se a seguir às eleições autárquicas de 2023, em que a Renamo perdeu cinco dos nove municípios que governava, não obstante ter havido uma fraude monumental.
A forma como Ossufo Momade geriu a crise pós-eleitoral é que agudizou a crise interna. Lembre-se que depois de convocar manifestações para todo o país contra a fraude, o presidente da Renamo foi visto por duas vezes nas ruas e depois sumiu, tendo de seguida abandonado a contestação sem qualquer declaração pública.
Numa entrevista recente ao semanário “Canal de Moçambique”, o ex-edil de Nacala-Porto, Raul Novinte, disse que Ossufo Momade deu ordens às vozes mais contestatárias da fraude, nomeadamente Paulo Vahanle, Venâncio Mondlane e o próprio Novinte para pararem com as manifestações. No pico das manifestações, Raul Novinte e Paulo Vahanle foram alvos de processos judiciais que culminaram com prisões domiciliárias para os dois, na altura, edis de Nacala e Nampula, respectivamente.
A residência de Venâncio Mondlane foi cercada pela Polícia. Ossufo Momade não se pronunciou sobre esses eventos. Quando o Conselho Constitucional ordenou a repetição das eleições em algumas mesas em Nacala-Porto, Raul Novinte não aceitou aderir ao processo, desrespeitando uma ordem de Ossufo Momade que era acusado de ter recebido dinheiro da Frelimo para aceitar os resultados fraudulentos. A partir daí, Ossufo Momade sentiu-se ferido e ordenou a destituição do delegado político em Nacala-Porto e de outros pontos do país onde sentia que não tinha controlo, principalmente, depois das críticas que se seguiram às declarações do porta-voz deste partido, José Manteigas, segundo as quais, Momade é a única figura, na Renamo, com perfil para ser candidato a Presidente da República.
Na mesma entrevista, Raul Novinte denunciou a tortura de jovens por ordens de Abida Aba (delegada política em Nampula), alegadamente por desobedecerem ordens da liderança da Renamo e por manifestarem apoio à intenção de Venâncio Mondlane de se candidatar à presidência da “Perdiz”. Disse ainda que entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024 foi forçado a uma renúncia antecipada da gestão municipal por ordens de Abiba Aba.
Neste momento, a Renamo está mergulhada num caos autêntico, com a liderança a ser mais uma vez contestada por não mostrar interesse em organizar o Congresso que deve eleger a nova liderança partidária. Visto o contexto, a violência praticada contra Issufo Missa Matano não parece um acto isolado, mas uma tendência da actual liderança que parece estar a fazer de tudo para se manter no poder à margem das regras democráticas Ossufo Momade é tido como um dirigente fraco que não reúne condições para dirigir a Renamo enquanto uma força que se diz ser alternativa ao poder.
A aproximação de Momade ao Presidente da República, Filipe Nyusi, que é também presidente da Frelimo, está a levantar suspeitas de que para além de ter sido corrompido para desistir da luta contra a fraude, criou condições para a Renamo ser controlada pela Frelimo
As cenas do vídeo, para além de violarem bens jurídicos, como a vida e a integridade física, direitos humanos e fundamentais, porque inscritos na Constituição da República, revelam uma postura anti-democrática por parte da actual liderança que recorre à violência, sevícias, ameaças e abuso de poder para afastar opositores internos. (CDD).