Imagens de vídeo captadas no sábado, 26 de outubro, no distrito de Mecanhelas, na província de Niassa, e postas a circular nas redes sociais, estão a chocar o mundo pela forma desproporcional, brutal e desumana como agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) reprimem uma manifestação pacífica.
No vídeo, os agentes de diversas unidades da PRM aparecem a disparar balas verdadeiras e atirando gás lacrimogéneo contra uma caravana de membros e simpatizantes do par tido Povo Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS) que marchavam próximo à sede do Comité Distrital da Frelimo, local onde os membros do partido governamental celebravam os resultados das eleições fraudulentas anunciados na semana passada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE). A actuação da Polícia resultou na morte de uma pessoa. Há um registo de, pelo menos, cinco feridos, todos membros do PODEMOS. Porque injustificada e ilegal, a actuação da Polícia deve ser alvo de uma investigação, célere e independente para que os agentes que agiram à margem da lei e violando os direitos humanos e fundamentais, nomeadamente o direito à vida, a integridade física e à manifestação possam ser acusados, julgados e condenados.
A marcha do PODEMOS acontecia no contexto da luta que esta formação política e o seu candidato presidencial, Venâncio Mondlane, travam para a reposição da verdade eleitoral. Mondlane e o PODEMOS reclamam vitória nas eleições de 9 de Outubro.
No vídeo, a Polícia aparece entre os membros dos dois partidos, que se encontravam com os ânimos exaltados, mas com as armas apontadas para a caravana do PODEMOS, ordenando que a mesma recuasse.
Porque a caravana do PODEMOS não recuava e os seus membros subiam o tom dos protestos, de repente, a Polícia abriu fogo contra os manifestan tes, perseguindo-os, enquanto disparava balas verdadeiras e jogando gás lacrimogéneo. A acção da Polícia culminou com a morte de uma pessoa e cinco feridos, entre graves e ligeiros.
A actuação da Polícia está a ser duplamente criticada, por um lado, pelo uso desproporcional de meios, e, por outro lado, pela forma parcial e desigual como a intervenção foi conduzida, protegendo a Frelimo. No que toca à desproporcionalidade de meios critica-se o recurso a armas de fogo para disparar contra pessoas indefesas a uma distância muito curta, o que levanta dúvidas de que o objectivo dessa intervenção era dispersar os manifestantes para evitar choque com os membros da Frelimo. Relativamente à falta de imparcialidade e ausência do dever de tratar a todos de forma igual, como manda a Constituição da República, apesar de os membros da Frelimo terem entoado cânticos com teor provocativo dirigidos aos membros do PODEMOS, não se viu a Polícia a, no mínimo, chamar atenção aos membros do partido no poder. Mais: enquanto a Polícia descarregava sobre a caravana do PODEMOS, os membros e simpatizantes da Frelimo punha-se a aplaudir a actuação.
Polícia e SISE condicionam trabalho dos jornalistas
Para além da violência policial, contra os membros do Podemos, o director do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) e o director do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) em Mecanhelas, recolheram material de trabalho dos jornalistas da Rádio e Televisão Amaramba, Rádio Esperança e TV Sucesso. Os jornalistas encontravam-se a registar a brutalidade policial que usava gás lacrimogéneo e balas verdadeiras para reprimir a manifestação dos membros e simpatizantes do PODEMOS. O evento deu-se por volta das 11h00. O material só foi devolvido depois de duas horas pelos directores do SISE e do SERNIC com uma condição: destruir todo o material recolhido no local. Um vídeo do chefe da secreta a recolher o material de trabalho dos jornalistas está a ‘viralizar’.
O episódio de Mecanhelas deve-nos convocar a todos para uma reflexão mais profunda sobre a actuação das entidades públicas, particularmente a Polícia no que toca aos direitos humanos, sobre tudo em contexto de manifestações. Quer no caso dos membros do PODEMOS, quer no caso dos jornalistas, a actuação da Polícia foi injustificada, ilegal e violadora de direitos humanos, por isso, o Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD), exige uma investigação célere e independente, para que os agentes que agiram à margem da lei e violando os direitos humanos e fundamentais, nomeadamente o direito à vida, à integridade física e à manifestação, bem como a liberdade de imprensa, possam ser acusados, julgados e condenados (CDD).