Quando o lobo vira pastor

Imagine que você tem um problema de saúde grave. Vai ao hospital e o médico que te atende é justamente o camarada que te deu uma rasteira na fila da farmácia, pegou o seu antibiótico e ainda disse: “te vira, revolucionário!” Agora, esse mesmo cidadão aparece com jaleco branco, estetoscópio e cara de santo, pronto para “cuidar” de você. Acha que vai sair curado ou com receita de veneno?

Pois é, meus amigos, essa é mais ou menos a situação de Venâncio Mondlane. Depois de ser o queridinho das urnas (segundo o povo), mas o desafeto dos votos válidos (segundo o Conselho Constitucional), ele fundou seu próprio partido: o glorioso PRM — Partido Revolucionário de Moçambique por agora com nomes em disputa. Só que, agora, quem vai decidir se o partido pode ou não existir é justamente… adivinha? Sim! O Conselho Constitucional! O mesmo! O famigerado! O homem do apito que já anulou seus golos no campeonato passado.

O Conselho Constitucional moçambicano parece aquele árbitro que só vê falta quando é contra o time da casa. Se um jogador da oposição chuta, ele diz que estava impedido. Se a Frelimo segura a bola com as mãos, é “interpretação da regra”. Com esse critério, até VAR se recusa a trabalhar.

Quando anulou os votos de Mondlane nas autárquicas de 2023 e gerais de 2024, o CC alegou irregularidades. Mas olha… irregular mesmo é alguém acreditar que isso foi só uma coincidência! A impressão que fica é que o Conselho virou tipo aqueles “juízes de torcida”: grita com um, abraça o outro, e no final ainda pede camisola autografada.

Agora, na partida seguinte, Mondlane cria um novo time, quer entrar em campo, e quem está na porta do estádio com cara de segurança da má vontade? Ele, o próprio: Conselho Constitucional. Com aquela expressão de “aqui só entra quem a gente gosta”.

A política moçambicana virou uma novela: o enredo é previsível, mas a gente não consegue parar de assistir. E nesse episódio, o protagonista (Mondlane) quer fundar um partido, mas o roteiro já deixou claro que o vilão (o sistema) não vai deixar.

Porque, veja bem, o problema nem é o PRM em si. O problema é quando alguém tenta fazer política fora dos velhos esquemas. Aí o sistema entra em pânico, chama o Conselho, convoca uma “interpretação constitucional”, inventa uma vírgula fora do lugar no estatuto do partido, e voilá: partido cancelado.

É como se a democracia moçambicana fosse uma pizzaria que só entrega em bairros da Frelimo. Se você mora na oposição, pode pedir o que quiser — vai chegar um pão seco e uma factura errada.

E o médico — digo, o Conselho — responde: “Depende de quem você votou nas últimas eleições.”

É claro que a situação é séria. Estamos falando do futuro da oposição, da pluralidade política e do direito de participação. Mas às vezes, o jeito é rir para não chorar. Porque quando a Justiça veste camisa de partido, quando o juiz joga de defesa, e quando o médico te receita o remédio que ele mesmo proibiu, a piada já está pronta — só falta o palhaço sair do palco.

Se o PRM for barrado, não será por falta de apoio popular — será por excesso de medo no sistema. Um medo tão grande que prefere sufocar a democracia com gravata e toga. E enquanto isso, o povo — aquele que devia ser soberano — assiste tudo de camarote, com a sensação de que já sabe o final da história.

Mas cuidado: toda comédia, quando contada demais, vira tragédia. E quando o povo cansa de rir da própria desgraça, costuma levantar da plateia e mudar o roteiro.


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