Quando a Emirates decidiu pousar de vez as suas asas em Moçambique — ou melhor, levantar voo e não voltar — foi como se o país tivesse perdido o último avião do bom senso. A notícia caiu como um coco em plena cabeça do cidadão: “todos os bilhetes emitidos por agentes moçambicanos estão desactivados”. Traduzindo do “corporatês”: Moçambique foi colocado na zona de turbulência do mercado aéreo internacional.
Nos balcões das agências, os agentes olham para os computadores como padres diante de pecadores reincidentes: rezam, mas sabem que o milagre não virá. “Data change só com a GSA”, dizem. Em bom português, quer dizer que até para mudar o dia de voo será preciso pedir bênção a Dubai.
E o Estado? Esse continua a olhar para o céu, talvez à procura de uma nova companhia que aceite decolar da terra onde o combustível é caro, a burocracia é infinita e os aeroportos funcionam como templos de paciência. A Emirates foi só a primeira a apertar o cinto. Se outras companhias seguirem o mesmo plano de voo, restará ao moçambicano duas opções: pegar o chapa-100 intercontinental (uma ideia ainda em fase de loucura avançada) ou construir um avião com o xitique do bairro.
A situação lembra o Haiti, dizem alguns. Mas talvez seja pior, porque nós ainda sorrimos enquanto o avião cai. O Haiti ao menos já sabe que está no chão; nós, não. Vivemos numa era de turbulência permanente, com um Estado que governa como quem perdeu o mapa e a bússola — mas insiste em culpar as nuvens.
No fundo, o problema é antigo: o país confunde “bom governar” com “governar-se bem”. As políticas públicas são como malas extraviadas — sabemos que foram despachadas, mas ninguém sabe para onde foram. E enquanto isso, o cidadão continua a sonhar com o dia em que o passaporte moçambicano valerá mais que um rim no mercado negro.
Até lá, boa sorte aos viajantes: quem quiser ir para Dubai, que vá de barco ou peça boleia a uma cegonha patriótica. Afinal, em Moçambique, até as asas já pediram visto de saída.
Aviso aos passageiros.
Discover more from Jornal Profundus
Subscribe to get the latest posts sent to your email.