A Democracia de um só

Na Tanzânia, a eleição foi tão tranquila que nem o vento ousou soprar contra a candidata. Afinal, pra quê barulho, se já estava tudo decidido? A oposição foi convidada — mas para o cárcere, não para o debate. Alguns opositores simplesmente “desapareceram”, como facturas de obras públicas. Outros, mais sortudos, apareceram de novo, mas sem a ousadia de abrir a boca.

E lá estava ela: a única candidata. Uma eleição tão limpa que parecia um quarto recém-varrido — só ficou quem interessava. O povo, coitado, compareceu às urnas com a empolgação de quem vai pagar imposto. Afinal, o voto era livre: livre pra escolher o que já estava escolhido.

Chamaram de “festa da democracia”. De facto, havia música, bandeiras, aplausos e discursos. Faltaram apenas os convidados com opinião contrária. Era uma festa de aniversário sem aniversariante — mas com bolo, balões e muita propaganda estatal.

O MC, com voz de estádio vazio, anunciou: “Mais uma vitória da vontade popular!”. A plateia respondeu com o mesmo entusiasmo de quem ouve o resultado de um exame médico: “Ah, foi isso, né?”.

A democracia africana, em certas zonas, anda com febre. Não é que esteja morta — apenas delirando. Em alguns países, virou uma espécie de teatro político: o povo paga o ingresso, a elite escreve o roteiro e os “candidatos” fazem de conta que há suspense. Spoiler: nunca há.

Enquanto isso, nós, vizinhos, assistimos a tudo com aquela mistura de vergonha alheia e resignação: “Pelo menos não foi golpe… ainda”. E o continente segue, com sua mania de reinventar os conceitos: eleições sem eleitores, liberdade sem livre-arbítrio, e democracia sem demos.

No final, resta-nos a dúvida filosófica que faria rir até Aristóteles: quando só há um candidato, o voto é um ato político ou um teste de obediência civil?

A Tanzânia respondeu à sua maneira — com 100% de paz e 0% de oposição. Uma harmonia tão perfeita que só pode ser doença.

Moral da história: em certas democracias, o único perigo é votar errado — e o “erro” é achar que existe escolha. Aguardemos as escaramuças que os marginalizados irão engendrar nos próximos dias.


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