Por Júnior Rafael
Umaro Sissoco Embaló, Presidente da Guiné-Bissau, parece ter um estranho fascínio por contrastes teatrais. Em casa, fecha o parlamento, reprime a oposição, governa com mão de ferro e desmonta as frágeis estruturas democráticas que ainda sobrevivem ao longo histórico de instabilidade no país. Mas, fora de portas, desfila como estadista global, defensor da paz e aspirante a mediador internacional. A mais recente façanha? Dizer-se disposto a ajudar num cessar-fogo entre Israel e Palestina.
Trata-se, no mínimo, de um paradoxo escandaloso. Como pode um líder que perpetua o medo entre seus cidadãos se apresentar como construtor de paz? Como pode alguém que impede o funcionamento de um parlamento legitimamente eleito — símbolo maior da vontade popular — pretender resolver um dos conflitos mais complexos e sensíveis do mundo contemporâneo?
Este é o teatro da política africana onde alguns líderes cultivam uma imagem de “grandes homens” no cenário internacional, enquanto seus países ardem em silêncio. Embaló representa essa elite autoritária que prefere aplausos nos salões das cúpulas internacionais a críticas nas ruas de Bissau.
Ao fechar o parlamento guineense, Sissoco não apenas atenta contra a legalidade constitucional, mas escancara o autoritarismo travestido de estabilidade. Ele quer governar sem freios, sem vozes dissonantes, como quem acredita que o Estado é extensão do seu ego. A liberdade de expressão, o contraditório, a institucionalidade — tudo vira obstáculo a ser removido em nome de uma governabilidade fictícia.
E no entanto, enquanto cala dissidentes em casa, quer dar lições de diálogo no Oriente Médio.
A hipocrisia salta aos olhos. O mesmo homem que envia tropas para “proteger” prédios do Estado com o objectivo de sufocar protestos, apresenta-se em fóruns internacionais como moderador da paz. A imagem de Sissoco como pacificador é tão absurda quanto perigosa: normaliza o autoritarismo e torna-o exportável.
Esse tipo de encenação não é novo. Vários líderes africanos já tentaram, e alguns ainda tentam, conquistar legitimidade externa para encobrir sua ilegitimidade interna. A diplomacia se torna instrumento de propaganda pessoal, enquanto os problemas domésticos se agravam.
Se Sissoco quer ajudar na paz, que comece pela Guiné-Bissau. Que reabra o parlamento. Que aceite a pluralidade. Que respeite o contraditório. Só assim poderá ter autoridade moral para falar de paz em outras geografias. Enquanto isso não acontecer, qualquer proposta sua fora do país não passa de marketing barato — uma tentativa de desviar atenções e conquistar aplausos fáceis enquanto o povo guineense permanece silenciado.