HOJE É DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO — e o menu nacional é vento com molho de promessas

Dezoito milhões de moçambicanos sem alimentação nutritiva, segundo o Programa Mundial de Alimentação (PMA). É tanto estômago vazio que, se todos arrotassem ao mesmo tempo, talvez chovesse. Os pais vão dormir sem saber o que os filhos vão comer — e, se sonham com comida, já é um avanço no cardápio do dia.

Mais de uma em cada três crianças tem o crescimento comprometido. O corpo não cresce, o cérebro não se desenvolve, mas os relatórios de combate à pobreza esses sim — crescem que é uma beleza. A fome virou estatística, e estatística, como se sabe, não sente dor.

Mas calma: nossos governantes estão preocupadíssimos. Tanto que criaram novas comissões, realizaram seminários e publicaram notas de repúdio à fome — tudo muito nutritivo, claro, para quem se alimenta de discursos. Enquanto isso, o povo mastiga paciência e engole saliva.

E a prova de que o estômago já perdeu a diplomacia veio de Muecate. No Dia Mundial da Alimentação, o povo invadiu os armazéns do INGD e levou todos os sacos de arroz. Não foi assalto. Foi grito. Foi o desespero a dizer: “Se o Estado não nos alimenta, comemos o que encontrarmos.” Aquilo não é fome apenas — é o corpo em revolta, é a incerteza do futuro a abrir a boca e morder o presente.

Enquanto isso, em Maputo, alguém há de ter dito com ar sério: “Precisamos investigar o incidente.” Investigar o quê? A fome? O estômago vazio não precisa de inquérito, precisa de comida. O povo não invadiu os armazéns por maldade, invadiu porque o estômago não respeita protocolo nem decreto.

É por isso que, quando falamos de corrupção, o tom de voz sobe. E não é teatro, é refluxo moral. Porque cada centavo desviado é uma colher de sopa arrancada da boca de alguém. Só que no país do “estamos a trabalhar”, o verbo trabalhar foi trocado pelo verbo mastigar fundos públicos.

Feuerbach dizia que “o homem é aquilo que come”. Pois olhem à volta: uns comem lagosta, outros comem vento. Uns digerem contractos públicos, outros digerem a própria miséria. Resultado? Temos uma elite gorda de privilégios e um povo magro de esperança.

A desigualdade aqui é tão grande que dá para ver a olho nu — sem telescópio, sem lupa, basta abrir a janela. O país parece um banquete onde meia dúzia come e o resto assiste com prato na mão, esperando o resto da sobremesa.

Mas a fome é paciente. Espera calada, até o dia em que a panela ferve. E quando ferver, não há polícia, nem discurso, nem blindado que segure. Porque barriga vazia é revolucionária — e não vota em quem promete pão e entrega pedra.

Hoje é Dia Mundial da Alimentação. Há quem comemore com discursos; há quem comemore com marmitas de luxo em nome do povo. E há o povo — que comemora sobrevivendo.

No fundo, “o homem é aquilo que come”. E o que Moçambique anda a comer — corrupção, desigualdade e cinismo — está a dar uma indigestão nacional. Se continuar assim, o único prato cheio do país será o prato da vergonha.

E como diria o chef do poder: “Para hoje temos promessas grelhadas com molho de impunidade. Sirvam-se, enquanto ainda há fome.”


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