MISAU E INE: Entre a mentira e verdade nos dados de crianças no País

O Ministério da Saúde (MISAU) diz que vacinou cerca de 19 milhões de crianças com menos de 10 anos contra a poliomielite em todo o país, superando a meta inicialmente prevista de 18,2 milhões, mas estes dados de menores são contrários com os do Instituto Nacional de Estatística (INE), o que coloca em dúvida a qualidade de informação sobre a vacinação nacional.

Esta confusão de dados tira a credibilidade das instituições oficiais.

Os dados indicam que a cobertura administrativa nacional foi de 107%, variando de 96% na província de Maputo, no sul do país, até 111% em Nampula, no norte. Na última segunda-feira, Quinhas Fernandes disse que todas as campanhas de vacinação contra a pólio são avaliadas por equipas independentes, através da metodologia de Avaliação de Qualidade em Lotes.

O “Profundus” solicitou o documento completo do MISAU constando os dados de vacinação de cada província e distrito, para compreender a correspondência dos números anunciados. Com dois jornalistas diferentes baseados no Maputo, cada um a seu pedido em dias e horas diferentes, tiveram o mesmo ofício “Resultados da primeira ronda da campanha nacional de vacinação contra a variante da pólio do tipo 2” com os dados só interessantes a citar:

“(…) Moçambique está a responder a uma emergência de saúde pública desde março de 2022. Foram notificados um total de três surtos da pólio: Poliovírus Selvagem do tipo 1 (8 casos em Tete), as variantes da Pólio do tipo 1 (28 casos na Zambézia e Tete) e tipo 2 (8 casos em Cabo Delgado, Nampula e Manica);

Nestas situações, a vacinação em massa é indicada como a forma mais eficaz para controlar o surto;

Por isso que o país realizou um total de 11 rondas de vacinação contra as formas da pólio do tipo 1;

Como resultado deste esforço, foi controlado e encerrado o surto do Poliovírus Selvagem do tipo 1 em maio de 2024. Assim, o país iniciou neste mês de junho, a vacinação contra a variante do tipo 2.

É por isso que, com duração de cinco (05) dias, teve lugar entre, 2 a 6 de junho corrente, a 1.ª Ronda da Campanha Nacional de Vacinação contra a Variante da Pólio do tipo 2. Esta ronda abrangeu crianças menores de 10 anos de todo o país.

O grupo-alvo total previsto para a campanha, era de 18,2 milhões de crianças, que corresponde ao universo de crianças alcançadas em rondas anteriores (nona ronda).

De salientar que nesta 1.ª ronda foram vacinadas cerca de 19,5 milhões de crianças.

A cobertura administrativa nacional foi de 107%, tendo variado de 96% na província de Maputo até 111% em Nampula.

Todas as rondas de vacinação, ao final, são objecto de uma avaliação independente, para aferir a qualidade da campanha e estimar, de forma robusta, as coberturas.

Este é um requisito fundamental para informar a nossa estratégia de controlo do surto.

Por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), todas as campanhas da pólio, são avaliadas por equipas independentes ao nosso sector, através da Avaliação de Qualidade em Lotes (LQAS);

O LQAS é um método probabilístico recomendado pela OMS para aferir a qualidade da campanha (em termos de cobertura), incluindo identificar a idade das crianças que participaram nas campanhas.

Através deste método, no fim da campanha, numa amostra aleatória de 60 crianças por distrito, se houver mais de 3 não vacinadas, significa que o distrito, do ponto de vista epidemiológico, não está bem coberto. Portanto, não passa.

A confirmação da vacinação no LQAS é feita através da marca da pintura do dedo da criança ou da disponibilidade do cartão de vacinação.

Assim, nesta última ronda, os resultados do LQAS indicaram que 131 dos 159 distritos avaliados passaram na avaliação do LQAS, representando cerca de 82%.

Entre os 28 distritos que não passaram, 11 tiveram 4-6 crianças não vacinadas, 6 com 7-9 crianças não vacinadas e 11 com 10 ou mais crianças não vacinadas.

Estes resultados do LQAS são considerados bons, no entanto, para a segunda ronda, devemos lutar para melhorar esta performance. Isto será importantíssimo para controlar o surto da variante da pólio do tipo 2.

Mais importante ainda, será garantir que os distritos que não passaram nesta ronda, tenham melhor desempenho na segunda (…)”.

Entretanto, os números anunciados pelo MISAU correspondem a quase 20% da população total de Moçambique. Ora, o INE publicou na sua página oficial do Facebook, numa mensagem alusiva ao 1 de Junho, Dia Internacional da Criança, que o país tem 14,7 milhões de crianças com idades entre 0 e 14 anos. Um número bem inferior às estimativas do Ministério da Saúde.

Mais do que isso, no último Censo Geral da População realizado em 2017, o INE estima que existam cerca de 16 milhões de habitantes com menos de 25 anos, indicando 4,8 milhões de crianças entre 0 e 4 anos, 6,8 milhões entre 5 e 12 anos, e 3,1 milhões entre 13 e 17 anos. Em outras palavras, somando as crianças de 0 a 12 anos, o total é de 11,6 milhões, um número significativamente inferior aos 19 milhões apresentados pelo MISAU.

 

Tentativa de esclarecimento da polémica

O MISAU começa por legitimar a preocupação dos diferentes segmentos da sociedade relativamente aos grupos-alvo das campanhas de vacinação, respeitando as opiniões.

“A bem da transparência destes processos, em todas as ocasiões, deixamos claro que os grupos-alvo das campanhas foram sempre ajustados ao realizado ou alcançado em etapas anteriores. Isto é, o GA da ronda 2 foi ajustado ao alcançado na ronda 1 e o da ronda 3 ao alcançado na ronda 2. Esta é a forma pragmática e operacional para não deixar nenhuma criança para trás e aumentar as chances de controlar o surto”, lê-se no documento a que o “Profundus” teve acesso.

“Aferimos a idade com base na informação providenciada pelos pais ou cuidadores, ou com base na identificação quando nos é providenciada. No entanto, a falta de qualquer documento que confirme a idade, não exclui a possibilidade de vacinar”.

O MISAU diz que a sua estratégia inclui, dentre outras abordagens, a vacinação nas fronteiras, de casa em casa, nos aglomerados populacionais, entre outros. “Portanto, os números que apresentamos são de crianças elegíveis e vacinadas, que foram identificadas pelas nossas equipas de vacinação”.

“Por outro lado, queremos realçar que a ocorrência de número de vacinados acima do comunicado pelas estatísticas oficiais, não se verifica apenas em Moçambique, tem ocorrido em outros países da região”, diz o MISAU concluindo:” a nossa missão com saúde é controlar um surto e não produzir estatísticas sociais ou demográficas”.

Diante desta polémica, insistentemente, o “Profundus” solicitou o ofício que contem os dados de cada província e distrito de vacinados, mas a assessora de comunicação do MISAU, Arménia Mucavele, na última quarta-feira, respondeu em mensagem “só tivemos acesso a este documento” citado.

Em Moçambique, a seita religiosa Jhon Marange inicialmente não aceitou a vacina, em algumas áreas das províncias de Tete e Manica.

Estes dados do MISAU contaram com a aplicação dos custos de aproximadamente 15 milhões de dólares (mais de 15 milhões de meticais), envolvendo mais de 80 mil colaboradores.

O MISAU projecta para julho a realização da segunda ronda da campanha de vacinação contra a pólio.

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