Mphanda Nkuwa: “Colonialismo verde ameaça comunidades e o rio Zambeze” defende Sociedade Civil

Um relatório da Justiça Ambiental (JA!), CCFD-Terre Solidaire e European Center for Constitutional and Human Rights (ECCHR) aponta colonialismo verde no projecto de barragem hidroeléctrica da EDF, Sumitomo e TotalEnergies em Moçambique. O documento divulgado hoje, quarta-feira alerta para as consequências devastadoras da barragem hidroeléctrica Mphanda Nkuwa planeada para o rio Zambeze.

Mphanda Nkuwa já não é apenas o nome de uma montanha, mas também o de um projecto para construir e pôr em funcionamento uma mega-barragem hidroeléctrica. Prevê a construção de uma barragem a fio-de-água e de uma central hidroeléctrica com uma capacidade instalada de até 1.500 megawatts (MW).

O Projecto prevê ainda a construção de uma linha de transmissão de energia eléctrica de alta tensão ao longo de 1.300 km, ligando Tete a Maputo.

Segundo os planos actuais, a capacidade de geração de 1.500 MW seria distribuída da seguinte forma: 60% (ou 900 MW) destinar-se-iam à exportação, principalmente para a África do Sul e o Zimbabué, enquanto os restantes 40% (600 MW) seriam reservados para o consumo interno de Moçambique.

O projecto está actualmente promovido com um custo total estimado em 6,4 mil milhões de dólares norte-americanos, incluindo 5 mil milhões para a construção da barragem e da central, e 1,4 mil milhões para a linha de transmissão. Os números do Banco Mundial mostram um aumento significativo em comparação com o orçamento inicial de 4,5 mil milhões de dólares, mas o governo parece ainda não ter actualizado oficialmente esse orçamento.

O início de funcionamento está previsto para 2031. Aproximadamente dois anos seriam dedicados à fase de concepção e planeamento, seguidos de seis anos de trabalhos de construção.

Esta barragem seria a terceira maior erguida no leito principal do rio Zambeze. O local previsto para a construção situa-se 60 km a jusante da actual barragem de Cahora Bassa e 70 km a montante da cidade de Tete. A margem esquerda da estrutura localizar-se-ia no distrito de Chiúta, enquanto a margem direita ficaria no distrito de Marara.

Quanto à albufeira da barragem, esta estender-se-a pelos distritos de Cahora Bassa e Marara. Teria uma extensão de cerca de 60 km ao longo do rio principal e por aproximadamente 18 km no rio Luia, um dos últimos afluentes não regulamentados do Zambeze. Assim, a sua área total rondará os 100 km², aproximadamente o tamanho da capital francesa, Paris.

 

O que diz o relatório da Sociedade Civil nacional e internacional?

Com base numa extensa pesquisa de campo, o relatório aponta os enormes riscos sociais, ambientais e de direitos humanos do projecto, bem como a resistência das comunidades cujo consentimento não foi solicitado nem dado para esta mega-barragem.

O governo moçambicano e um consórcio privado liderado pela EDF (40%), TotalEnergies (30%) e Sumitomo Corporation (30%) estão a avançar com o projecto da barragem hidroelétrica de Mphanda Nkuwa, no rio Zambeze. Assinada em dezembro de 2023, esta mega-barragem de US$ 6,4 bilhões (o que já representa um aumento de 42% relativamente ao custo de 2023) está prevista para entrar em funcionamento em 2031. Tornar-se-ia a terceira maior barragem do Zambeze — um rio já estrangulado por várias barragens — e a maior central hidroeléctrica construída na África Austral nos últimos 50 anos.

Apesar da sua dimensão e do apoio internacional da União Europeia, do Banco Mundial e do Banco Europeu de Investimento, o projecto foi lançado sem consultar os proprietários de terras legalmente reconhecidas – as comunidades locais que terão de arcar com os custos mais elevados.

O relatório de 74 páginas aponta os impactos do projecto sobre os direitos humanos, incluindo deslocamentos em massa: mais de 1.400 famílias (cerca de 8.120 pessoas) seriam forçosamente reassentadas, e até 350.000 pessoas que dependem do rio para a agricultura, pesca e criação de gado seriam afectadas;

Perda de terras: mais de 100 km² — o tamanho de Paris — seriam inundados;

Destruição do património: locais sagrados e culturais vitais para as tradições ancestrais correm o risco de serem submersos;

Repressão: intimidações, detenções e ameaças por parte das autoridades locais já estão a criar um clima de medo e descontentamento, fazendo eco dos traumas associados à barragem colonial de Cahora Bassa e a outros megaprojectos na província.

Como empresas francesas, a EDF e a TotalEnergies estão reguladas pela Lei do Dever de Vigilância da França. O Estado francês, como único accionista da EDF, tem a responsabilidade directa em garantir que essas obrigações sejam cumpridas.

Até o momento, este projecto exemplifica o colonialismo verde: comunidades locais marginalizadas estão a ser excluídas dos processos de decisão e privadas dos seus direitos em nome do desenvolvimento e da transição energética.

Especialistas climáticos afirmam que é urgente acabar com a dependência dos combustíveis fósseis, mas as soluções não podem repetir o modelo extractivista que alimentou as crises actuais — nem ignorar as crescentes evidências de que as mega-barragens emitem muito mais gases de efeito estufa do que anteriormente declarado, colocando em questão a sua reputação de energia “limpa”.

“É por isso que este projecto deve ser cancelado, pelo menos até que as questões sociais e ambientais sejam adequadamente abordadas e haja responsabilização pelas violações já cometidas. Reiteramos também que o projecto não deve avançar se as comunidades não derem o seu consentimento livre, prévio e informado. Isso significa que elas têm o direito de dizer não, se, por qualquer razão, não sentirem que o projecto trará benefícios para as suas vidas”, defende a Sociedade Civil moçambicana e internacional.

 

Governo avança

Enquanto isso, o Governo já aprovou, na última terça-feira, o decreto que concede o direito de construção e exploração do empreendimento hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa ao consórcio responsável pela sua concepção, edificação e operação. A decisão foi anunciada no final da sessão do Conselho de Ministros pelo porta-voz do Executivo, Inocêncio Impissa.

Foi aprovado o decreto que atribui a concessão do empreendimento hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa à Central Hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, sociedade anónima, e aprova os respectivos termos e condições para a concepção, construção, posse, operação, manutenção, financiamento, seguro e gestão de uma central eléctrica. Portanto, trata-se de um “instrumento que define os direitos, deveres e responsabilidades de cada parte, garantindo segurança jurídica, transparência e previsibilidade para a execução e exploração da Central Hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa”, afirmou o Inocêncio Impissa.

Uma delegação do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), composta pelo gestor regional, especialistas em energia e investimentos, engenheiros, analistas financeiros, especialistas em alterações climáticas, género e aquisições, realizou de 6 a 10 de outubro uma visita de trabalho ao projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa, na província de Tete.

No terreno, segundo o Diário Económico,a delegação reuniu-se com as autoridades provinciais, entre elas a secretária de Estado de Tete, Cristina de Jesus Xavier Mafumo, e representantes da Hidroeléctrica de Cahora Bassa. O objectivo desses encontros foi fortalecer o diálogo institucional e assegurar uma melhor coordenação entre todas as entidades envolvidas na execução do projecto”.

Após a visita, a equipa do BAD reuniu-se separadamente com o Ministério dos Recursos Minerais e Energia, o Ministério das Finanças, a Direcção Nacional de Terras e Desenvolvimento Territorial, a Direcção de Ambiente e Alterações Climáticas do Ministério da Agricultura, Ambiente e Pescas, o Gabinete de Implementação do Projecto Hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa (GMNK), a Electricidade de Moçambique e a Autoridade Reguladora da Energia.

As reuniões centraram-se na revisão das acções prévias exigidas pelas instituições governamentais, na análise dos estudos técnicos e na avaliação dos riscos e instrumentos de mobilização de recursos. Durante os encontros, o BAD manifestou confiança no avanço do projecto, considerando-o “um empreendimento estratégico para Moçambique e para a região.” (Muamine Benjamim).

 


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