Por Júnior Rafael
Num país onde os discursos políticos se sobrepõem à realidade e os governantes parecem estar em constante negação ou actuação, a controvérsia sobre a reabilitação da Estrada Nacional Número (EN1) em Moçambique tornou-se mais do que uma disputa orçamentária — tornou-se o espelho das incoerências do Estado.
De um lado, temos o ex-ministro das Obras Públicas, do governo passado, que, antes de abandonar o cargo, afirmava com convicção que havia dinheiro para reabilitar a N1. Chegou a anunciar datas, falar com a segurança de quem conhece os cofres do Estado e até alimentar esperanças em milhares de moçambicanos que vêm na N1 mais que asfalto — vêm dignidade, circulação económica, mobilidade e desenvolvimento.
Do outro lado, surge o novo ministro do governo de Chapo, que assume o cargo e, com ar técnico e discurso realista, declara que embora o desejo político exista, os meios financeiros não acompanham a vontade. Traduzindo: não há dinheiro.
E o povo, no meio, pergunta-se: quem está a mentir? Quem brinca com as nossas esperanças? Quem detém a verdade?
Essa contradição revela dois problemas estruturais:
- A falta de continuidade governativa séria. Quando um ministro diz “há dinheiro” e o seguinte diz “não há”, isso mostra que a transição política, longe de ser técnica, é feita sem responsabilização e sem respeito pelo povo. Não se trata de apenas mudar nomes nas pastas, mas de dar sequência coerente às promessas feitas em nome do Estado.
- A manipulação política da informação pública. Usar a N1 como ferramenta de campanha, como moeda de esperança ou como símbolo de governabilidade é, no mínimo, desonesto. Pior: é cruel para quem depende daquela estrada para viver, para escoar produtos, para aceder a hospitais e escolas.
Agora, cabe-nos perguntar com firmeza: se há vontade e não há dinheiro, onde está a prioridade orçamental? Como se justificam gastos milionários em desfiles, palácios, viaturas de luxo e estruturas partidárias, passeios com chama da unidade, enquanto o país literal e simbolicamente se quebra ao meio pela deterioração da sua via principal?
Ou talvez a resposta esteja naquilo que nenhum dos ministros ousou dizer com clareza: o problema não é só dinheiro — é gestão, é transparência, é vontade política real. Porque dinheiro existe para aquilo que se considera urgente, e a N1, para quem governa distante da poeira e dos buracos, talvez não seja.
Neste jogo de versões, o povo fica como sempre ficou: esquecido. O debate já não é sobre betão ou quilómetros asfaltados. É sobre respeito. E infelizmente, isso nem o ministro antigo nem o novo parecem ter trazido no bolso.