Nampula: O espelho da negligência governativa

Por Júnior Rafael

 

A desnutrição crónica que assola Nampula não é apenas uma tragédia local, é um sinal de alerta nacional. A cada criança que cresce com fome, a cada mãe que vê seu filho definhar por falta de nutrição básica, não é só o futuro da província que é ameaçado, mas o do país inteiro. O cenário dramático revela, sem retoques, a falência de uma governação que há 50 anos promete desenvolvimento e entrega apenas paliativos.

Cinco décadas de independência, meio século de discursos inflamados e planos mirabolantes — e ainda assim, Nampula continua imersa em problemas que deveriam ter sido resolvidos no século passado: saneamento precário, acesso limitado à água potável, escolas sem nada, postos de saúde sem medicamentos. É como se os governantes tivessem envelhecido junto com as promessas, mas sem a sabedoria que a idade exige.

Há uma tentativa visível — e até ensaiada — de “resgatar” a imagem da província, mas essa recuperação é puramente estética. Pinta-se o centro da cidade, organiza-se um ou outro festival, tira-se fotos ao lado de painéis com dizeres de “progresso”. Enquanto isso, nas zonas recônditas de Angoche, Eráti, Mecubúri, Lalaua ou Memba, reina a pobreza extrema. Nampula é tratada como vitrine, mas a vitrine está suja, e atrás dela, o estoque é miséria.

A governação em Moçambique tornou-se um exercício de dissimulação: cria-se um plano de combate à desnutrição, mas sem orçamento funcional; inaugura-se uma escola, mas sem professores qualificados; projecta-se um hospital, mas sem pessoal ou equipamentos. O que se vê é uma lógica de maquiagem institucional. Não há estratégia real, nem vontade política para mudar a realidade concreta das pessoas.

Mais do que incompetência, o que vemos é uma governação sem compromisso com os pobres. O combate à desnutrição, por exemplo, deveria estar no topo da agenda pública, mas recebe tratamento de rodapé. Em vez de priorizar políticas de segurança alimentar, incentivos à agricultura familiar, distribuição justa de renda e acesso universal à saúde, o regime se dedica a proteger os interesses de uma elite acomodada e surda à dor popular.

Os jovens de Nampula — que deveriam ser a força motriz da mudança — vivem abandonados à própria sorte. Muitos sonham em emigrar, desistindo da esperança de um país que lhes negou tudo: escola de qualidade, emprego digno, comida no prato. Quando a juventude perde a fé na sua própria terra, é sinal de que algo apodreceu no topo.

A desnutrição em Nampula, portanto, não é uma excepção — é a regra de um modelo falido. Ela denuncia não apenas a ausência de políticas públicas eficazes, mas a presença danosa de um sistema que perpetua a exclusão e a desigualdade.

Se a política não servir para salvar vidas, então de que serve? E se um governo não consegue alimentar o seu povo, então já fracassou em sua função mais básica. Que os governantes parem de tapar o sol com peneira e encarem Nampula — e o país — com a seriedade que a situação exige. O povo já não se alimenta de promessas. A fome tem pressa, e a história não perdoa os que insistem em adiar o futuro.

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