O Excel mal preenchido

Em Moçambique, “falhas de procedimentos” já deviam ser feriados nacionais, dia de descanso, churrasco e conferência de imprensa. Porque aqui, quando o dinheiro some, ninguém rouba, ninguém toca — o dinheiro apenas desaparece por procedimento. Uma espécie de magia contável tropical, feita sem varinha, só com carimbo e assinatura.

Veja só: os 33 milhões do Fundo Soberano não evaporaram, não senhor! Foram apenas vítimas de um lapso administrativo. Talvez tenham pegado boleia num Excel mal preenchido e se perdido a caminho do Tesouro. É compreensível — até o GPS do Estado anda desactualizado desde 1975.

É bonito, o jeito técnico como se explica o inexplicável. O porta-voz aparece na TV com aquele ar sério, terno bem passado, voz de missa: “Houve falhas de procedimentos.” E pronto! A nação perdoa. É como um passe espiritual — absolve-se o pecado administrativo com a bênção da burocracia.

Mas sejamos justos: o problema não é roubo, é formatação de planilha. O dinheiro não foi parar nas contas erradas — foi transferido por engano sistémico. E quando o repórter pergunta: “Mas quem assinou a autorização?”, respondem com sabedoria bíblica: “O sistema.” Esse senhor Sistema, aliás, devia concorrer às eleições, porque governa mais que muita gente no gabinete.

Até o Conselho Constitucional já entrou no coral das desculpas. Lembram? Quando disseram que “houve irregularidades, mas não afetam o resultado”? É como o árbitro dizer que o golo foi com a mão, mas que a intenção era boa, por isso valeu. Democracia à moda moçambicana: o importante é participar… do boletim de urna.

O mais fascinante é como as “falhas de procedimentos” são democráticas — servem para todos. Servem para justificar os salários dos funcionários fantasmas (“não é corrupção, é erro de folha”). Servem para explicar as dívidas ocultas (“foi só falta de comunicação interministerial”). E até para prender o cidadão errado (“foi engano do sistema judicial, mas ele pode sair depois de cumprir metade da pena”).

No fim das contas, “falha de procedimento” é o nome bonito que o Estado dá ao caos. É o perfume francês da incompetência. É o verniz que cobre o ferro-velho da administração pública. E o povo, já acostumado, até canta: “Não foi roubo, foi gestão criativa!” — com batucada e tudo.

Enquanto isso, os cofres vão emagrecendo, o povo vai jejuando, e o político vai explicando. Tudo dentro dos procedimentos normais, claro. Porque aqui, meu irmão, o erro não tem dono, mas o prejuízo tem NUIT: o do contribuinte.


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