Lá estava eu, num domingo tranquilo, a saborear um funge com molho de peixe seco, quando de repente… PÁ! A televisão anuncia: “Mais um acto de vandalismo em Luanda. Bens públicos destruídos. Jovens não identificados envolvidos.”
Cocei a cabeça, olhei pro meu prato, depois olhei pro tecto — onde ainda resiste um pedaço do estuque colonial — e pensei: mas afinal, quem é esse misterioso “vândalo”? É gente ou entidade espiritual? Um espírito revolucionário, talvez?
Foi então que me lembrei do velho slogan que já virou herança cultural: “O povo é MPLA e o MPLA é o povo.” Pronto. Mistério resolvido. O povo que destrói paragens de táxi, bancos de jardim e até os raros vasos sanitários dos mercados municipais… é o próprio MPLA! E vice-versa!
Quer dizer, se o vandalismo foi feito pelo povo, e o povo é MPLA, logo… é tudo em casa. Tipo briga de família: um quebra, outro varre, o outro finge que não viu e o último diz que a culpa é da oposição — mesmo que ela só tenha 3 cadeiras no Parlamento e uma vassoura.
Mas atenção, não se trata de matemática política. Isso aqui é álgebra emocional. Porque se você reclamar, vai ouvir: “Não! Isso foi feito por elementos infiltrados!” Claro. São sempre elementos. Nunca são pessoas com nome, morada e número de BI. São sempre “elementos não identificados”, como se o país fosse governado por fantasmas e sombras.
Certa vez, vi um grupo de jovens a pintar muros com palavras de ordem do partido, e horas depois, os mesmos jovens a arrancar os cartazes da oposição como se estivessem a lutar pela sobrevivência nacional. Um deles, suando tinta vermelha, gritou: “Isso é patriotismo!” Eu sorri. É isso. Em Angola, vandalismo às vezes é patriotismo mal traduzido.
E o mais curioso? Quando há eleições, os mesmos que quebraram os bancos públicos aparecem sorridentes na fila para votar, com a t-shirt do partido ainda meio rasgada da última manifestação.
Mas no fundo, somos todos inocentes. O partido diz que o povo fez, o povo diz que não fez, a polícia diz que investiga e no fim, a culpa cai em cima do… candeeiro público.
Portanto, da próxima vez que vir um bueiro destapado, uma escola com janelas sem vidro ou uma paragem destruída, não pergunte “quem fez isso?”, apenas recite em voz baixa, com um sorriso angolano:
“O povo é MPLA e o MPLA é o povo.”
E continue seu caminho, antes que digam que foi você.