O Vaticano de Osvaldo Kaholo

Por Júnior Rafael

Em tempos onde a obediência é premiada e o pensamento crítico é criminalizado, contar a história de Osvaldo Kaholo, jovem angolano, é mais do que um ato de memória — é um gesto de resistência. Ele foi militar, professor universitário assistente, e hoje, por ter-se recusado a calar frente às injustiças, é padeiro. Mas não se engane: não é um rebaixamento, é uma reinvenção. O regime que tentou silenciá-lo não conseguiu arrancar-lhe a dignidade, apenas o deslocou do quartel e da sala de aula para um novo campo de batalha — o forno.

Osvaldo foi expulso das Forças Armadas Angolanas não por incompetência ou indisciplina, mas por algo que o autoritarismo teme profundamente: consciência social. Ao recusar-se a compactuar com o silêncio institucional sobre as desigualdades e as violações contra os marginalizados, tornou-se um “inimigo interno”. Mais tarde, quando encontrou refúgio na academia, esperava-se que se limitasse ao papel decorativo de docente domesticado. Mas, novamente, ousou ensinar mais do que datas e teorias: ensinou liberdade. Resultado? Foi também afastado da universidade.

Essa sequência de represálias não é acidental, mas sintomática. O regime angolano, como muitos outros na África e no mundo, prefere os corpos que marcham às mentes que questionam. Temem o verbo mais do que o fuzil, porque o verbo é semente. Quando alguém como Osvaldo se recusa a se curvar, torna-se um espelho perigoso para os que ainda tentam levantar a cabeça.

Hoje, Osvaldo faz e vende pão. Uma actividade humilde, sim, mas profundamente simbólica. O pão que amassa com as próprias mãos carrega uma carga política mais potente do que muitos discursos de palanque: é o pão da sobrevivência, da dignidade, do “eu não me vendi”. É pão que não alimenta apenas estômagos, mas consciências. Seu gesto cotidiano de trabalho é, também, uma declaração de princípios.

Em Angola — e em muitos países de nossa África e da América Latina — ser pobre e rebelde é considerado crime. Ter opinião é afronta. E por isso é preciso reafirmar: Osvaldo não foi vencido. O regime apenas o empurrou para onde ele fosse menos “ameaça”. Mas o que não entendem é que quem carrega a verdade dentro de si pode ser preso, expulso, silenciado — mas nunca destruído.

Este é um chamado à memória e à solidariedade. É também um alerta. Porque regimes que expulsam seus pensadores e premiam os bajuladores estão condenados a ruir. E enquanto isso não acontece, Osvaldo seguirá, com farinha nas mãos e verdade nos olhos, lembrando-nos que o pão mais precioso é aquele feito com dignidade.

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