As lágrimas que nos caem diante das palavras desesperadas de jovens africanos não são apenas de tristeza — são também de alerta. Um alarme ensurdecedor de que algo está muito errado.
Quando adolescentes angolanos, como os de Moçambique começam a clamar por armas, a pedir confronto directo com as forças policiais, estamos diante de uma ruptura perigosa entre o Estado e a juventude, entre a esperança e a desistência, entre o sonho e o colapso.
A frase que ecoa, com brutalidade: “Eles misturam governação com corrupção, e nós vamos misturar manifestações com vandalismo”, resume uma geração esgotada, exausta de pedir paz onde só se recebe pancada, de sonhar em voz baixa enquanto os gritos do poder abafam qualquer tentativa de mudança. Esse tipo de declaração não nasce do acaso. É produto de anos de frustração, exclusão social, promessas quebradas e violência institucionalizada.
Esses jovens não estão falando apenas de governos ineficientes. Estão falando de sistemas que sequestraram a política para o benefício de uma elite, abandonando o povo. Quando dizem “eles se acham macho por causa dessa pistola, deixem só para vermos quem é homem. A quantidade vence a qualidade”, estão desafiando directamente o monopólio da violência do Estado, e isso é sintoma de algo muito mais profundo: a perda da legitimidade das instituições.
Angola e Moçambique, como vários outros países africanos, vivem uma crise civilizacional. O que está em jogo não é apenas a alternância de poder, mas a própria ideia de contrato social. A juventude — que representa a maioria da população nesses países — já não se vê representada nem protegida. Ao contrário: vê-se como inimiga do Estado. E quando o Estado vira inimigo do seu próprio povo, o abismo se instala.
Não é exagero dizer que, nesse ritmo, “se não houver golpe, assassinados haverá”. Golpe aqui não apenas no sentido militar — que em si já é trágico e antidemocrático —, mas no sentido de ruptura: a juventude está pronta para virar a mesa, ainda que isso signifique mergulhar no caos. O silêncio das instituições, a omissão das lideranças e a brutalidade das polícias estão gerando uma tempestade.
A mensagem que se lê nas entrelinhas desses gritos juvenis não é necessariamente uma apologia à violência. É, antes, um pedido desesperado por escuta, dignidade, justiça. Quando o diálogo é sistematicamente negado, quando a repressão é a resposta padrão, quando a corrupção e o nepotismo se tornam práticas banais de governo, não é surpreendente que os jovens passem a considerar o confronto como a única saída.
Por isso, cabe uma reflexão urgente: o que está sendo feito para escutar essas vozes antes que elas se armem? O que fazem os intelectuais, os religiosos, os artistas, os sindicatos, os políticos honestos (se restam)? O que fazem os que ainda acreditam na democracia como caminho? A omissão agora será cobrada com sangue depois. Não se constrói paz onde não há justiça.
A África, continente de riquezas imensas e juventude vibrante, não pode continuar sendo campo de batalha entre a paciência do povo e a arrogância dos poderosos. É preciso romper o ciclo de promessas vazias, de reformas cosméticas e de uma democracia apenas formal. Ou a fúria, como uma enxurrada, levará tudo. E não digam depois que não foram avisados.
Por isso, escutemos o choro antes que ele se transforme em grito.