Por Júnior Rafael
Num país como Moçambique, em que as instituições deveriam ser defensoras do povo, é doloroso constatar que, em muitos momentos, elas se transformam no próprio instrumento de repressão. Enquanto os discursos oficiais culpam as “intempéries” – como secas, cheias ou crises económicas globais – pelas dificuldades enfrentadas pela população, ignora-se deliberadamente o verdadeiro agente violador dos direitos humanos: o próprio Estado.
É preciso dizer com todas as letras: se as intempéries violam os direitos humanos, então aquele que dispara gás lacrimogéneo em manifestações pacíficas, aquele que atira contra civis desarmados, aquele que persegue vozes críticas e silencia jornalistas está a violar muito mais do que o clima ou o ambiente jamais conseguiria. Está a ferir a dignidade humana, está a subverter a Constituição e está a deslegitimar completamente o contrato social entre o povo e quem governa.
A Constituição da República de Moçambique, no seu artigo 40, garante o direito à vida e à integridade física e moral. O artigo 52 assegura o direito de reunião e de manifestação pacífica. No entanto, quantas vezes vimos esses direitos serem esmagados sob as botas de um regime que teme mais a liberdade de expressão do que a própria pobreza que ele perpetua?
O uso indiscriminado da força – com gás lacrimogéneo, balas reais e prisões arbitrárias – não é uma exceção. Tornou-se método. Tornou-se política de Estado. Tornou-se a linguagem do medo. E quando o Estado governa pelo medo, deixa de ser democrático e passa a ser autoritário, mesmo que se esconda atrás de eleições e protocolos internacionais.
A desculpa das “intempéries” é conveniente porque é impessoal. Culpa a natureza, o acaso, o destino. Mas quando uma criança morre porque a escola foi destruída não por um ciclone, mas por negligência estatal; quando um jovem é morto por protestar contra o custo de vida; quando um jornalista desaparece por investigar a corrupção – isso não é obra do clima. É obra de mãos humanas. É violência com assinatura institucional.
A comunidade internacional, muitas vezes cúmplice por omissão, finge surpresa. Mas os relatórios estão aí: da *Amnistia Internacional*, da *Human Rights Watch*, da *Freedom House*. Todos apontam para os mesmos abusos, para as mesmas práticas sistemáticas de repressão. E ainda assim, poucos se atrevem a levantar a voz. E quando o povo levanta, recebe por resposta gás e bala.
Portanto, é preciso reverter a narrativa. O maior desastre em Moçambique não são as intempéries climáticas. É o desastre moral de um Estado que violenta seus próprios cidadãos enquanto esconde suas mãos atrás da retórica do progresso e da estabilidade.
Enquanto houver impunidade para os que atiram, e silêncio para os que mandam atirar, a verdadeira tempestade não virá das nuvens, mas das estruturas de poder que esquecem que o povo não é inimigo – é o dono legítimo da nação.
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