Comunicar para Mudança

CONFLITO HOMEM-FAUNA BRAVIA: Do histórico às consequências e mitigação pela Gorongosa

A história faz compreender o facto desde os momentos iniciais aos actuais, especificamente o conflito Homem e Fauna Bravia, na Zona de Desenvolvimento Sustentável do Parque Nacional da Gorongosa, em especial nos distritos de Marínguè e Nhamatanda. Afinal, onde há queixas de invasão de animais a campos de produção agrícola, havia Coutadas. Existiam Coutadas 6 e 8 respectivamente para caça desportiva, mas que já foram revogadas pelos Decretos 52 e 54 em 2014 devido à falta de concessionários e ocupação da população. Não ter o histórico implica “atirar pedra para um lado em detrimento do outro”.

 

O caso de Marínguè

Considerando a perda e degradação do potencial para a prática do turismo cinegético, outrora abundante na Coutada Oficial n.º 6, criada pela Portaria n.˚ 14 096, publicada no Boletim Oficial n.˚ 28, de 9 de Julho de 1960, recorrendo às competências que lhe são conferidas pelo n.º 1 do artigo 37 da Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, o Conselho de Ministros decretou a revogação da Portaria n.º 14096, de 9 de Julho de 1960 e é extinta a Coutada oficial n.º 6, localizada no distrito de Marínguè, província de Sofala.

 

O caso de Nhamatanda

Visando proteger e conservar os recursos naturais existentes na área do uso consuetudinário da comunidade, incluindo as florestas sagradas e outros sítios de importância histórica, religiosa, espiritual e de uso cultural para a mesma, assim como garantir o maneio sustentável destes recursos por forma a resultar no desenvolvimento sustentável local, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 37 da Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, o Conselho de Ministros decretou: artigo 1. É criada a Área de Conservação Comunitária de Mitchéu, no distrito de Nhamatanda, com 11500 hectares.

Artigo 2. Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 22, da Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, compete ao Ministro que superintende o Sector das Áreas de Conservação, em articulação com as entidades estatais competentes, a definição e tramitação de mecanismos que orientem e possibilitem a exploração, desenvolvimento e conservação desta Área de Conservação Comunitária.

Ainda no mesmo distrito, considerando a perda e degradação do potencial para a prática do turismo cinegético, outrora abundante na Coutada Oficial n.º 8, criada pela Portaria n.º 22 357, publicada no Boletim Oficial n.º 34, de 23 de Agosto de 1969, fazendo o uso das competências que lhe são conferidas pelo n.º 1 do artigo 37 da Lei n.º 16/2014 de 20 de Junho, o Conselho de Ministros decretou: a revogação da “Portaria n.º 22357, de 23 de Agosto de 1969 e é extinta a Coutada oficial n.º 8, localizada no distrito de Nhamatanda”.

Portanto, esses três documentos foram aprovados no mesmo dia 12 de agosto de 2014.

Existe outro documento que enfatiza a extinção da Coutada de Nhamatanda. O “Relatório da reunião nacional das áreas de conservação 2012 à 2014 é uma Compilação da I, II e III Reunião Nacional das Áreas de Conservação, feita em fevereiro de 2017”, com cerca de 74 pessoas participantes do evento, representando instituições públicas, sector privado, organizações não-governamentais, parceiros de cooperação e outros convidados.

Especificamente, na Reunião Nacional participaram membros do Conselho Técnico da Administração Nacional das Áreas de Conservação (ANAC); membros do Conselho Directivo da ANAC; Coordenador da Unidade de Coordenação das ACTF’s; gestor do PROFIN; Administradores dos Parques e Reservas; Técnicos da ANAC; directores Provinciais de Turismo de Niassa e Tete; administradores dos distritos de Gorongosa, Mágoè e Nhamatanda, além do representante do administrador de Cheringoma.

No documento consultado pelo “Profundus”, está escrito originalmente:

Pela tenuidade do sector de conservação, algumas áreas de conservação foram adjudicadas, tendo sido convertidas para outras actividades e hoje delas sobram apenas os nomes (embora a muito custos ainda recuperáveis). Destas áreas pode se destacar a Coutada 8 concessionada a Lonhro e a Reserva Florestal do Derre que ficou com Serrações Reunidas da Zambézia. As áreas em causa eram valiosas como de conservação, uma por constituir um tampão importante entre a estrada nacional numero 06 e o Parque Nacional da Gorongosa e outra por possuir únicos espécimes de Matagaiça e Umbilas frondosas e raras. Nos dias que correm, várias áreas de conservação estão “entregues” a cegueira filosófica da conservação por parte de autoridades administrativas e de outras entidades estatais, sendo o dicionário actual o redimensionamento destas ou mesmo a sua extinção contribuindo desta forma na extinção de espécies únicas e endémicas.

 

Como funcionam as Coutadas e áreas de conservação comunitária?

Segundo o Manual sobre a Aplicação da Lei da Conservação elaborado em 2014 para Biofund, Coutada oficial é uma área de conservação de uso sustentável, de domínio público, delimitada, destinada a actividades cinegéticas e a protecção das espécies e ecossistemas. O direito de caçar nestas áreas só é reconhecido por via de contrato de concessão celebrado entre o Estado e o operador.

A gestão duma coutada oficial dever ser realizada de acordo com um plano de maneio devidamente aprovado pelo Ministério do Turismo, sob proposta da ANAC.

Quanto às interdições, a lei proíbe a prática de todas as actividades susceptíveis de comprometer os objectivos que conduziram à celebração do contrato de concessão celebrado com o Estado, referido acima. Porém, é permitido o uso de recursos florestais e faunísticos pelas comunidades locais, desde que realizado de forma sustentável com fins de subsistência e não comprometa os objectivos da coutada oficial. Pode-se também realizar, na coutada oficial, actividades de repovoamento de recursos cinegéticos mediante observância do disposto na legislação nacional e o respectivo plano de maneio (os casos das extintas Coutadas 6 e 8).

Dentre várias regularidades, as extintas Coutadas 6 e 8 de foram criadas com o propósito de promover a prática de caça desportiva, adjudicadas por concursos públicos e administradas pelos vencedores destes, os quais celebravam para o efeito um contrato com o Estado.

A caça desportiva no contexto moçambicano, segundo o artigo 22 da Lei 99, de 7 de Julho (Lei de Flora e Fauna Bravia), “é exercida por pessoas singulares nacionais ou estrangeiras, através do turismo cinegético, nas coutadas oficiais e nas fazendas de bravio, através da licença modelo A”. Apesar de ainda discutível na visão de conservadores.

A caça desportiva no contexto moçambicano, segundo o artigo 22 da Lei 99, de 7 de Julho (Lei de Flora e Fauna Bravia), “é exercida por pessoas singulares, nacionais ou estrangeiras, através do turismo cinegético, nas coutadas oficiais e nas fazendas de bravio, através da licença modelo A”. Apesar de ainda discutível na visão de conservadores.

O pedido do modelo “A” (art. 55 e 58-Regulamento da Lei de Floresta e Fauna Bravia-Decreto 12/2002, de 6 de Junho) é feito pelos concessionários das coutadas oficiais pela sociedade de desenvolvimento e gestão da Reserva do Niassa (para os Blocos de caça) em nome dos caçadores beneficiários para o director nacional das Áreas de Conservação.

Existem animais específicos para a caça desportiva como elefantes, crocodilos, leões, leopardos, búfalos, pala-palas, cabritos, etc.

Segundo a Lei n.º 5/2017 que altera e republica a Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, Lei de Protecção, Conservação e Uso sustentável da Diversidade Biológica, as áreas de conservação comunitária são de uso sustentável, do domínio público comunitário, delimitada, sob gestão de uma ou mais comunidades locais onde estas possuem o direito de uso e aproveitamento da terra, destinada à conservação da fauna e flora e uso sustentável dos recursos naturais.

O mesmo documento aponta a área de conservação comunitária visando proteger e conservar os recursos naturais existentes na área do uso consuetudinário da comunidade; conservar os recursos naturais, florestas sagradas e outros sítios de importância histórica, religiosa e espiritual e de uso cultural para a comunidade; garantir o maneio sustentável dos recursos naturais para resultar no desenvolvimento sustentável local; assegurar o acesso e perenidade das plantas de uso medicinal à diversidade biológica, em geral.

A gestão dos recursos naturais existentes na área de conservação comunitária é feita conforme as regras e práticas costumeiras das respectivas comunidades locais, sem prejuízo do cumprimento da legislação nacional. O licenciamento para o exercício das actividades de exploração de recursos a terceiros deve ser feito com prévio consentimento das comunidades locais, após processo de auscultação, que culmine na celebração de um contrato de parceria (o caso de Mitchéu).

 

Do outro lado das extintas Coutadas: A Gorongosa

Ainda existem animais nesses lugares ou pelo menos passam em zonas que antigamente habitavam ou tiveram histórico. Aliás, faz-se sentir o conflito Homem Fauna Bravia quando em certas zonas são agora campos de produção agrícola ou mesmo habitadas por comunidades. Logicamente, em casos de ameaça ou mesmo pelo habitat, os animais chegam ou vivem no vizinho Parque Nacional da Gorongosa. Entretanto, fala-se mais da invasão aos campos de produção que a verdadeira origem desde o passado para perceber as causas.

As Coutadas foram criadas em 1960 coincidentemente com o período de proclamação como Parque Nacional. Muito antes, a Gorongosa já apresentava projecção e hoje soma prémios pela sua capacidade de restauração após longos anos de guerra colonial e 16 anos de guerra civil.

O Parque Nacional da Gorongosa é resumido a partir de 1920 (Plantação de algodão); 1935 (Reserva de caça); 1960 (Proclamação como Parque Nacional); 1975 (Independência do Regime Colonial); 1981 /1992 (Guerra de Desestabilização); 1994/1996 (União Europeia financiou intervenções de recuperação); 1997/2001 (Banco Africano de Desenvolvimento financiou iniciativas de recuperação); 2004 (inicia envolvimento da Fundação Carr e assinatura do Acordo de Gestão); 2008 (extensão do acordo de gestão conjunta por mais 20 anos entre Governo e PRG); 2010 (Proclamação da Serra da Gorongosa como parte integrante do Parque Nacional); 2018 (extensão do acordo de gestão conjunta por mais 25 anos entre o Governo e PRG) até 2043. Hoje, o PNG tem-se beneficiado de intervenções na área de conservação, turismo, pesquisa científica, desenvolvimento humano e media para a educação.

 

A coexistência do Homem – Fauna Bravia pela Gorongosa

“O conflito entre Homem e Fauna Bravia nas áreas de conservação de Moçambique, preferimos considerá-lo de coexistência do Homem – Fauna Bravia, em vez desse [conflito Homem e Fauna Bravia] nome que tem sido usado pelas comunidades”, disse o administrador do Parque Nacional da Gorongosa, Pedro Muagura, que reitera ser “um desafio para transformar esse nome nas comunidades”.

“Onde há Homem e o animal, considera-se o conflito do animal para o homem, mas existe também conflito do Homem para animais. Muita gente fala de animais para pessoas, [mas] de pessoas para animais não, é uma realidade”, sublinhou ser problemas de ambos.

“Quando a sociedade sofre [destruição de culturas] e ameaça à própria vida, isso nos dói todos”, lamentou.

“Quero adiantar desejar mais força aos que já sofreram e boa continuidade a optarem pelas medidas proactivas, imediatas, médias e longo prazo [as] que vamos fazer nos próximos anos”.

“As medidas de acção imediata incluem construir celeiros resilientes nas comunidades; vedação usando colmeias, chapas de zinco e piri-piri colocadas nos pontos de travessia identificados ao longo do rio Púngue por onde os elefantes chegam até às comunidades, e o afugentamento e acima de tudo, a promoção de medidas tendentes a mudança de comportamentos e tolerância mútua (pessoas pelos animais e vice-versa, através de capacitações e sensibilizações contínuas para a adopção de comportamentos que possam contribuir para a redução de conflitos”.

Administrador do PNG, Pedro Muagura.

Os fiscais comunitários devidamente capacitados usam foguetes para afugentar os elefantes. “Armas quando há acções ameaçadoras para a vida humana” usando-as como a última solução e são exclusivamente aplicadas pela equipa de Fiscalização do PNG. A comunidade tem tido outras propostas de se fazer vedação eléctrica, que no futuro analisaremos que tipo e como a fazer tendo em conta a susceptibilidade da área a inundações”.

“Há homens que se comportam mal e animais que se comportam mal, do mesmo jeito há os que se comportam bem” e vice-versa. Para conciliar isso é “um grande trabalho”.

“Há indivíduos que não obedecem regras preconizadas para vivermos em harmonia com os animais. Isso inclui a caça furtiva. Os animais quando se sentem ameaçados saem para as comunidades”.

Outra acção humana “é a destruição do habitat para diferentes fins”. Esta é feita por parte de membros das comunidades e até pessoas provindas de fora. E, ao mesmo tempo, existe apoio e tolerância aos animais em volta do Parque, isto é resultado do seu entendimento e apoio aos esforços da conservação e se sentem parte integrante do processo.

 

Acções multissectoriais

“Nas comunidades existe cobertura vegetal onde os animais deviam ficar em vez de ameaçar pessoas. Se os corredores da fauna estivessem em condições, haveria o conflito, mas a magnitude seria razoável” disse Muagura. “Não digo não haver conflitos de fauna bravia, existe conflito de verdade”.

O PNG tem recorrido acção multissectorial. “Temos parceiros, serviços distritais, provinciais, incluindo lideranças comunitárias. Quando há situação [de ataque animal], assistimos às famílias, apesar de não ser suficiente.

Há vezes que os fiscais são agredidos em cerimónias fúnebres vítimas de ataque de animal, além de que a Gorongosa também regista assassinatos dos seus fiscalizadores por furtivos, tal como em dezembro de 2023.

“As comunidades estão bem organizadas em ajuda. Quando os animais estiverem fora da área, temos agentes to terreno que trabalham na mitigação  quando os fiscais não estão no terreno. Esses indivíduos têm tido treinos”, louva a cooperação comunitária e de autoridades de Nhamatanda.

De forma prática, “temos encorajado machambas em blocos para evitar que os membros da comunidade estejam isolados. Não são todos que optam por essa [técnica], mas é óptima para garantir a segurança”.

“Não é a nossa vontade que o milho esteja destruído, [dar semente] é uma forma de consolar. O PNG não conseguirá apoiar a 100 por cento”, disse para expor uma das dicas: “não aconselhamos a comunidade a fazer machamba próxima do PNG”.

“Reconheço que [o conflito] é uma realidade, vamos sempre pedir apoio técnico financeiro aos que podem proporcionar para trabalharmos em conjunto. Estamos abertos a qualquer tipo de apoio”, concluiu o administrador do PNG. (Muamine Benjamim).

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