O Parque Nacional da Gorongosa (PNG), apesar de impactar vidas na sua Zona de Desenvolvimento Sustentável, enfrenta desafios na defesa dos direitos da criança, principalmente da rapariga. São preocupações expostas durante a visita da Embaixadora da Holanda, Elsbeth Akkerman, ao Parque, escolhendo Anita Luís, jovem de Nhamatanda, como “embaixadora de um dia”.
Chegado a Chitengo, no dia 10 de Abril, a Embaixadora da Holanda, Elsbeth Akkerman reuniu-se numa mesa-redonda com as mulheres inspiradoras da Gorongosa para uma reflexão sobre impactos e desafios na de prevenção e combate às uniões prematuras na Zona de Desenvolvimento Sustentável do PNG.
A mesa-redonda envolveu a Embaixadora da Holanda, assessora de Género, Juventude e Sociedade Civil, Odília Marques. Da parte do PNG, participou a Presidente do Projecto de Restauração da Gorongosa, Aurora Malene, e a Directora do Departamento do Desenvolvimento Humano, Elisa Langa, entre outros representantes dos vários departamentos (Desenvolvimento Humano, Conservação, Ciência, Desenvolvimento Agrícola, Comunicação). Também esteve presente no evento a Directora Nacional da organização parceira Right to Play, Daina Mutindi, e Oficial de Capacitação, Arsénia Banze que moderou o evento e duas Oficiais de Género em representação da Resiliência
Na ocasião, a Presidente Aurora Malene defendeu que os desafios apresentados às mulheres desde criança não podem ditar o destino delas. O futuro de cada mulher tem de estar semeado no foco, no sonho e na determinação de cada uma – “não há vento que ajude quem não sabe para onde vai”. Marcou assim o início do evento, convidando a Embaixadora.
Na sua intervenção, a Elsbeth Akkerman falou do seu trabalho enquanto Embaixadora em Moçambique, apontando o compromisso com os Direitos Humanos e a importância da luta e reivindicação dos direitos das mulheres, que ainda continuam menosprezados e ignorados.
Segundo a Embaixadora, as mulheres continuam a trabalhar mais e a receber menos; continuam a ser vítimas da continuada violência machista; e vítimas de estereótipos de género que as colocam num papel secundário na sua própria vida. Isto liga-se aos casamentos precoces e forçados, uma imposição que acontece em tenra idade na vida de uma rapariga e tem consequências muito graves tanto para ela como para a sociedade.
Disponíveis cerca de 100 Clubes de Rapariga pela Gorongosa
O primeiro momento apresentado por Joana Diniz, gestora do Programa do Clube de Rapariga, expos a estratégia do trabalho com raparigas vulneráveis em risco de união prematura e desistência escolar. “A vida da mulher nasce com um destino pré-determinado – crescer o suficiente para depois casar, servir um homem e dar-lhes filhos. É muito mais preocupante para zonas rurais”, disse.
Um relatório de 2024, da organização não-governamental (ONG) Oxfam, aponta que 48% das raparigas nacionais casaram-se antes dos 18 anos, e 14% antes dos 15 anos, colocando Moçambique como o segundo em África Austral com mais casos deste tipo.
Nas comunidades em redor ao Parque, a lista de violações de direitos inclui uniões prematuras; gravidezes indesejadas de menores cujo parto pode levar à morte; a ideia de que uma menina menstruada não pode atravessar as ruas, logo, não pode ir à escola; violência doméstica; violência baseada no género; e abuso sexual. Contra estas práticas negativas, a Gorongosa promove cerca de 100 Clubes de Raparigas dirigidos por promotores treinados, ensinando as meninas sobre a sua saúde sexual e reprodutiva, matérias de literacia e numeracia, direitos e deveres da criança. Ou seja, nesses Clubes, as raparigas aprendem a conhecer melhor o seu corpo, aprendem a sonhar, a cuidar da higiene menstrual, afastar-se de comportamentos de risco e aprender a negociar com os pais a dizer “um dia caso-me, mas não já”.
Registados 57 casos de risco de união prematura e violência doméstica e sexual
O Programa Clube de Rapariga, implementado desde 2016, cria estratégias para manter a rapariga na escola com sessões de reforço de leitura e escrita, e também sessões de habilidades para a vida que fala directamente aos direitos das Crianças e das redes de apoio e denúncia para algum tipo de violência que podem estar a passar.
É necessário criminalizar todos os que participam, incentivam ou são cúmplices no crime da união prematura e forçada, pela Lei n.º 19/2019 – de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras em Moçambique, de 22 de Outubro.
O Clube de Rapariga trabalha em estreita colaboração com as Escolas, Serviços Sociais e Polícia, capacitando Conselhos de Escola e Comités de Protecção da Criança, divulgando a lei, mecanismos de denúncia, também focada no apoio a vítimas e resgate da rapariga em risco de união prematura.
Em 2024, o Programa Clube de Rapariga esteve envolvido directamente na denúncia e seguimento de 57 casos de risco de união prematura, violência doméstica e/ou sexual. A experiência do que é estar no campo e lidar com estas situações foi partilhada pela supervisora distrital, Fátima Chale, referindo o papel do PNG na colaboração com as entidades nestes casos.
Fátima partilhou dois casos que ocorreram no ano passado, na zona da Casa Banana e outro episódio em Vunduzi, ambos casos de violação sexual contra raparigas menores.
“As autoridades não têm recursos e meios para chegar muitas vezes a comunidades mais distantes, e em ambos os casos, de extrema urgência, o PNG comparticipou com o combustível para as viaturas chegarem e levarem os perpetuadores à justiça.”
A seguir, abriu-se espaço para debate e colocação de questões. A maioria das questões foi direccionada ao impacto e mudança de comportamento das comunidades, e também como se faz o seguimento do resgate e encaminhamento das vítimas.
Gorongosa incentiva meninas com 200 bolsas de estudos raparigas
Na ocasião, a Directora do Departamento do Desenvolvimento Humano, Elisa Langa, apresentou duas abordagens de maior impacto:
A intervenção dos conselhos de Escola na matéria das protecção da criança, uma vez que estão lá as mães e pais, alunos, lideranças da comunidade, e que uma vez bem organizados podem ter um impacto muito grande na identificação de casos de violação de direitos das raparigas, assim como casos de desistência escolar. O exemplo disso, é a capacitação do “Homem como parceiro”.
Recentemente, o PNG, através do Programa de Educação da Rapariga capacitou 440 “homens como parceiros” sobre todo o tipo de violência e o seu ciclo, desafiando as uniões prematuras, poligamia, agindo como homem, analisando o poder, o alcoolismo e dando espaço de igualdade para as parceiras. Até ao momento, foram abrangidas 22 Zonas de Influência Pedagógica (ZIP) na Zona de Desenvolvimento Sustentável.
Cada ZIP teve 20 “homens como parceiros” entre líderes comunitários, religiosos, padrinhos, conselhos das escolas, encarregados de educação e curandeiros, sem excepção, a serem capacitados.
Pretende-se com estas capacitações, consciencializar os homens na mudança de atitudes sobre as matérias relacionadas ao Género, Violência Baseada no Género, uniões prematuras e o que é ser homem para a família e para a comunidade; consciencializar os homens das comunidades sobre a importância de ser um bom homem para a sua família; e promover a auto-estima e mudanças de comportamento e atitudes nos homens das comunidades.
Ora, depois da capacitação, todos os homens submetidos novamente a uma avaliação com as mesmas perguntas, discordaram de tudo sobre as práticas negativas contra a mulher, mas que antes da capacitação achavam correctas. Este é um sinal de que compreenderam que afinal os homens e mulheres têm os mesmos direitos e devem fazer esforços diários para servirem de exemplo nas respectivas famílias e comunidades, tornando uma sociedade harmoniosa.
A segunda estratégia prende-se com o incentivo da permanência na escola e na aposta nos estudos, através das bolsas de estudo para o ensino secundário, profissional e universitário. O Parque Nacional da Gorongosa, na sua história, já ofereceu mais de 200 bolsas de estudo a raparigas da ZDS do PNG, estando com 110 bolsas activas neste momento. O recente caso envolve a menina Jena (do distrito de Maringué) e o menino José (do distrito de Gorongosa), após ganharem o primeiro lugar do concurso de pangolim.
Ora, com esta oportunidade, Jena escapou de uma união prematura ou violência para seguir o sonho de ser fiscal do PNG. Saiu de Subue, Nhamapaza (Maringué) para estudar na vila de Gorongosa.
Inspirado na valorização das comunidades pela Gorongosa, o pangolim, altamente ameaçado e em extinção pela acção humana, o livro a ser apresentado na Espanha, cuja capa integra o desenho da vencedora Jena, leva o leitor para a protecção do mamífero, através de um mundo mágico e de fantasia.
Jena Janeiro Kenade, de 16 anos, enquanto estudava no distrito de Maringué, não se sentia à vontade. Os homens pretendentes andavam atrás dela para torná-la esposa tão criança. Aprendeu sobre os seus direitos, deveres e Conservação no Programa Clube de Raparigas, pediu ao pai para que mudasse para Nhamapaza, mas mesmo assim, a “perseguição” continuou. Hoje ganhou bolsa de estudos pelo PNG, escapando dos homens. Enquanto, nas comunidades, o pai chegou a ser acusado de amante da filha. Hoje, Janeiro Kenade passou a ser pregador das actividades de impacto do PNG, confiando na Jena, depois da primeira filha Elisa decepcioná-lo ao abandonar os estudos, tornar-se esposa e mãe tão cedo.
Quem é Anita Luís, embaixadora de um dia?
Anualmente, a Embaixada da Holanda promove a iniciativa “Embaixadora de um dia”, coincidentemente no mês da mulher, abril. Em 2024, Cândida Geraldo foi o destaque. Para 2025, contou com Anita Luís Américo, também de Nhamatanda.
A jovem Anita Luís Américo foi membro do Programa Clubes de Jovens do PNG, a partir de Nhamatanda. Como “Embaixadora de um dia”, assumiu o papel de líder, partilhando as preocupações da jovem mulher na zona rural face ao empoderamento feminino.
Antes de Chitengo, (Gorongosa), Anita Luís Américo reuniu-se com o edil da Cidade da Beira, capital de Sofala, Albano Carige. A jovem focou-se no combate às uniões prematuras, das respectivas desvantagens ao maior risco de perda de vida (violência sexual, doméstica, psicológica, gravidezes indesejadas e a saúde sexual reprodutiva).
No PGN, a “Embaixadora de um dia” participou de uma mesa-redonda e conheceu outras mulheres inspiradoras, além de visitas à comunidade Madzimachena, no distrito de Gorongosa.
Anita Américo é experiente em programas de criança. Conhecendo as histórias de muitas meninas submetidas a uniões prematuras na Zona de Desenvolvimento Sustentável do PNG, partilha a sua experiência contra esta má prática condenada por Lei.
Contudo, falar da luta contra uniões prematuras para o PNG, é como uma “gota de água” nos benefícios para as comunidades, desde a construção de infra-estruturas como escolas, centros de saúde, actividades integradas de agricultura de conservação com várias culturas, atribuição de bolsas de estudos, capacitações ao desenvolvimento humano. (Luísa Franque).