No Parque Nacional da Gorongosa (PNG), província de Sofala, centro de Moçambique, o futuro da vida selvagem depende dos meios de subsistência dos seres humanos. Depois de 16 anos de guerra, a Gorongosa está a recuperar. Muitos têm o lado A e poucos conhecem o lado B desta recuperação: Greg Carr.
Greg Carr é o presidente do Projecto de Restauração do PNG. Numa entrevista com os familiares e amigos do dirigente, de visita ao Parque, o “Profundus” traz o que há por detrás do sucesso do Parque.
Contexto
O PNG, estendendo-se por uma planície aluvial no extremo sul do Grande Vale do Rift de África, abrangendo savanas, florestas, zonas húmidas e uma vasta bacia de água chamada lago Urema, foi em tempos uma reserva de caça: os administradores coloniais portugueses estabeleceram-na em 1921 para o seu prazer desportivo, removendo as pessoas que antes compartilhavam a paisagem com a vida selvagem.
Em 1960 foi designado pela primeira vez como Parque Nacional. O levantamento de fauna bravia de 1972 refere que abrigava cerca de 2.200 elefantes, 200 leões e 14.000 búfalos africanos, bem como hipopótamos, impalas, zebras, gnus, elandes e outras faunas africanas icónicas.
Na ruinosa guerra civil de 16 anos que se seguiu à independência em 1975, a Gorongosa serviu de refúgio para os militares da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) que receberam apoio militar da vizinha Rodésia (agora Zimbabué) e África do Sul. Quando as tropas do Governo vieram para os desafiar, houve luta no solo, bombardeios da sede do Parque, carnificina na savana. Além da matança de elefantes, milhares de zebras e outros grandes animais foram mortos para alimentação ou diversão.
Um cessar-fogo interrompeu a guerra em 1992, mas a caça furtiva por caçadores profissionais continuou, e as pessoas nas comunidades vizinhas armaram armadilhas para os animais comestíveis que restaram. Na viragem do século, o Parque Nacional da Gorongosa havia sido destruído.
As circunstâncias eram, igualmente, sombrias nas terras que cercavam o Parque. Cerca de cem mil pessoas viviam no que os planeadores agora chamam de Zona Tampão (ou Zona de Desenvolvimento Sustentável), a maioria de famílias cultivando milho e outras culturas de subsistência, mal conseguiam alimentar os seus filhos e com falta de educação e saúde.
Quando o solo se cansava e o milho não crescia, os agricultores cortavam a floresta, queimavam a zona cortada e tentavam, novamente, num novo canteiro. Eventualmente, o seu corte e plantação expandiram-se das encostas mais baixas da Serra da Gorongosa – um maciço granítico que se ergue até 1.863 metros acima do nível do mar no limite noroeste do Parque – para as zonas mais altas e húmidas. Uma vez encimada por densa floresta tropical, a montanha é a nascente de vários rios, incluindo o rio Vunduzi, que transporta água para o Parque e sua rica planície de inundação.
Agora, o PNG regista um aumento robusto de animais, depois da guerra civil, dos 16 anos (1977-1992), mesmo depois da tensão-política-militar entre 2014-2016.
Família Greg
Greg convidou os sobrinhos, Blake Ames e Mason Ames a visitarem, há dois anos, ao PNG para perceberem o que, exactamente está a fazer em Moçambique.
Sendo a primeira vez em Moçambique e no PNG, Blake avaliou “muito boa a estadia”.
“Estou a conseguir ver [o potencial do PNG] e tenho que agradecer pelo que tem”, disse pela experiência.
É importante o que ele [Greg] faz, mas pelos sonhos dos meninos “não é boa área”, mesmo assim “gostam dos animais, não como tio [que gosta mais] ”.
Fanático em gestão ambiental, Greg tem tirado tempo para outras actividades com a natureza em tempos de neve, acompanhado pelos seus sobrinhos.
Um conselho aos jovens moçambicanos
Os dois sobrinhos, de 8ª e 10ª classes, na altura da entrevista, “estão esperançosos em falar com os amigos americanos para virem” [ao PNG].
Os dois rapazes garantiram terminar o nível secundário e fazer nível superior nos cursos de Educação e Desporto, respectivamente, nos Estados Unidos da América (EUA). Ao contrário de Moçambique, em que poucos garantem estudar e se formar – primeiro, porque as condições não são para quaisquer; segundo, porque é mais fácil apostar em casamento prematuro do que formação; e terceiro, por influência das catástrofes naturais, guerras, a fome e entre outras preocupações.
“Para os jovens moçambicanos, continuem com a educação se possível e tentem trabalhar na Conservação, é uma área interessante”. Aconselham os americanos.
“Gostamos dos animais dentro do PNG e a interacção entre humanos e animais ao ver mabecos”. [Mabecos] “são pequenos, mas quando unidos são fortes” avaliaram assemelhando-os “às pessoas que devem estar unidas” para o mesmo propósito. Por exemplo, um empreendedor, normalmente começa sozinho, cresce para liderar pessoas e fazer mais negócios”.
O filho de uma amiga de Greg, Garrick Schwartz, também a convite disse que sempre ouviu falar sobre do trabalho na Gorongosa, veio para testemunhar. “[É] incrível, não só a área humanitária, mas também dos laboratórios”, avaliou a potencialidade do Parque Nacional da Gorongosa.
Para Garrick Schwartz junto da sua mãe, “é importante viajar para fora da sua área de conforto para conhecer algo maior. Conservação não só inclui animais, mas também a parte humanitária e a sustentável, as duas partes contribuem para o crescimento próprio da comunidade e Conservação”, disse pelo que viu no PNG.
Garrick Schwartz disse que sempre admirou Greg e a visita veio “amplificar” a admiração e sua simplicidade. “Greg tem uma capacidade quase inumana de ajudar as pessoas. Quando decide ajudar as pessoas, faz mais que o normal, vai ao campo e interage com as pessoas”.
“Vendo o senhor Greg a ajudar outras pessoas, faz-lhe se sentir bem. Me inspiro nisso”, disse Schwartz, para reiterar que não tem condições para abrir um parque de modo a ajudar a Zona Tampão, a exemplo de Carr, mas quando regressar aos EUA, “hei-de ver o tempo que gasto em coisas fúteis e talvez usar esse tempo para ajudar a comunidade”.
Futuramente, “gostaria de viajar mais e visitar a Gorongosa como voluntário em serviços de Conservação para ajudar [as comunidades ao redor do PNG] a serem sustentáveis e poderem fazer lucro próprio, não serem dependentes”, precisou o aluno da 10ª classe, Schwartz.
“Gostaria que o PNG acolhesse os jovens para visitas e para verem os programas locais. É nesta idade que absorvem a informação e serão capazes de a levar e usá-la por toda a vida. É inspirador nesta idade, sublinhou Schwartz, ao Profundus, Órgão de Comunicação Social gerido por jovens e apoiado por Greg e pela escritora americana Peggy Goldwyn.
Por onde começou Greg?
Greg Carr começou em 1965 a fazer o ensino primário. Em 1978 terminou o secundário, mais seis anos de ensino superior e foi à renomada Universidade de Harvard.
“Greg co-gere um parque, construiu museus, teatros, entre outras iniciativas e às vezes ao conversar, fica a pensar noutras coisas”. Tem um coração grande no sentido de ajudar pessoas. Se não gostou de algo, ele vai explicar-te de uma maneira positiva”.
Ken Carr, irmão penúltimo dos seis, o último é o Greg, fala da biografia do seu irmão mais novo.
“Desde criança, foi muito generoso, sempre lia os livros que os professores recomendavam e lia outros sobre o assunto”.
Na escola secundária, [Greg] foi presidente de todos os alunos. Já no ensino superior, onde estudou com o “irmão mais velho, com cerca de 10.000 estudantes, Greg era o mais destacável em matérias e notas”, disse Ken sugerindo que Greg, depois tenha feito o curso de Gestão de Empresas Internacionais, noutra Universidade.
Ainda em Harvard, em 1986, Carr e um amigo criaram uma empresa chamada Boston Technology, voice email que oferecia maneiras digitais de conectar sistemas telefónicos a computadores. Uma tecnologia de sucesso que hoje ainda é usado diariamente.
Em 2000, muitos americanos incluindo Greg ouviram o nome de Moçambique pela primeira vez, quando o país foi assolado pelas cheias que motivaram a fome.
Gorongosa começou a prosperar em 2004, quando o antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, visitou a Universidade de Harvard para uma palestra a convite de Greg Carr.
Greg Carr estabeleceu a Fundação Carr, uma entidade filantrópica, antes de saber ao certo qual seria o seu propósito. Mas as obras de Edward O. Wilson despertaram nele um grande interesse pela conservação. Ao mesmo tempo, mergulhava no estudo dos direitos humanos e de seus grandes profetas e defensores, incluindo Nelson Mandela. Estas duas linhas de estudo convergiram mais tarde quando Carr soube que Mandela, então presidente da África do Sul, estava a colaborar com o seu colega Presidente, do outro lado da fronteira em Moçambique, para criar “parques da paz” – parques nacionais transfronteiriços para a conservação de vida selvagem e o benefício da população local.
“O Presidente Chissano adorava os parques nacionais”, disse Carr, e durante a primeira visita de Carr, em 2004, “convidou-me a restaurar a Gorongosa”.
Quatro anos depois, Carr assinou um acordo de longo prazo com o Governo. Traria ao desafio não apenas os seus recursos financeiros e perspicácia de gestão, mas também uma visão partilhada de que a Gorongosa poderia tornar-se um “parque de direitos humanos”. Isso significava gerar benefícios tangíveis para a população local ao seu redor – em saúde, educação, agronomia, desenvolvimento económico bem como proteger a sua paisagem, as suas águas e a sua diversidade biológica em todas as formas.
A dimensão temporal é reconhecida em um acordo de longo prazo entre a Fundação Carr e o Governo, renovado em 2018 por 25 anos. Mesmo 25 anos, é apenas um começo em termos ecológicos. Um orgulho para a família Carr.
O pai faleceu quando tinha 92 anos de idade. Os pais tinham sete filhos, destes restaram seis, sendo Greg o mais novo. “Cada filho escolheu a sua área, todos foram bem-sucedidos. E todos estão orgulhosos de Greg por ajudar outras pessoas”.
“Greg não é casado e não tem filhos, mas considera os sobrinhos como se filhos próprios fossem. A família Greg também inclui a Gorongosa”.
“O PNG em geral é muito grande, em si já é um desafio. Tem que ajudar muitas pessoas, cada pessoa tem a sua necessidade, deve tentar desenvolver os programas sustentáveis, a exemplo da produção de café e de caju. Para gerir a Gorongosa precisa de encontrar bons trabalhadores, que sabem o que fazem para ajudar no sustento das comunidades em redor e controlar o conflito Homem e fauna bravia”, avaliou Ken Carr na condição de Greg.
A melhor amiga de Greg era a sua mãe que faleceu em 2023, com mais de 100 anos de idade.
“A paciência e gentileza” são os segredos do sucesso, por isso, uma das mensagens que Ken deixava para Greg era: “você é fantástico”.
“Tudo está melhor. Tem uma equipa fantástica. O sítio em si é 5 estrelas, a partir dos pratos”, avaliou o irmão que esteve pela terceira vez no PNG. “Continuem fazendo o que estão a fazer agora e que os trabalhadores do PNG sejam integrados e trabalhem como uma família para uma imagem maior”.
“Nós como PNG, somos o guião para outras áreas de Conservação. Estamos a desenvolver algo que os outros possam implementar”, disse o irmão.
Os objectivos de Carr estão ainda longe, mas se o limite do possível se concretizar, será no Parque Nacional da Gorongosa. Hoje, o PNG é um destaque da África. (Profundus PDF).