Vários clientes abastecidos pela empresa pública Águas da Região Metropolitana de Maputo (AdRMM) denunciam o fornecimento de água turva a jorrar das suas torneiras em vários bairros. Os bairros do Alto Maé, Minkadjuine, Munhuana, Bagamoyo; no Município de Maputo, e Tchumene, Malhampsene, Zona Verde; no Município da Matola, por exemplo, estão entre alguns locais que registam casos de águas turvas. Além de turva, há vezes em que a água jorra com odor, contrariando dessa forma os parâmetros (biológicos, físicos e químicos) do índice de qualidade para o consumo humano. A situação está a deixar os consumidores receosos sobre a qualidade do líquido para o consumo, pelo que muitos têm optado por não beber, passando a comprar água purificada. São dados que constam no recente estudo “Fornecimento de Água Contaminada para o Consumo Humano: Quando as Falhas no Tratamento e Fiscalização Colocam em Risco a Saúde Pública” do Observatório Cidadão para Saúde (OCS).
O conteúdo publicado no dia 8 de abril último aponta que a situação de abastecimento de água imprópria na rede pública para o consumo é um problema de dimensão nacional. De várias províncias do país, surgem relatos preocupantes de fornecimento e consumo de água imprópria para humanos. Por exemplo, moradores de vários bairros da cidade de Tete e Moatize têm denunciado que suas torneiras jorram água turva.
Em Tete, trata-se de água contaminada com metais (Manganés e Ferro) devido à exploração de minérios por diversas empresas naquela província. E parte dos poços onde a água da rede pública é captada está localizada em zonas contaminadas por bactérias fecais, bem como em áreas onde a prática da agricultura com recurso a adubos químicos e deposição de resíduos sólidos é recorrente, aponta outro estudo realizado pelo académico Paulo Marcos Sebastião, licenciado em Engenharia Química, Mestrado em Saúde e Doutorado em Energia e Meio Ambiente, em 2022.
Estes casos têm sido frequentemente registados em épocas chuvosas.
Os casos denunciados evidenciam a violação do decreto ministerial n° 180/2004 de 15 de Setembro que regula sobre a qualidade da água para o consumo humano. Perante o cenário crítico de abastecimento de água, os consumidores tornam-se vulneráveis a contrair doenças devido ao consumo de água imprópria, sobretudo para famílias que não têm condições de recorrer à compra de água potável/tratada vendida em galões.
O consumo de água contaminada pode aumentar o risco de algumas doenças, como leptospirose, cólera, hepatite A, egiardíase, parasitoses intestinais, por exemplo, já que os agentes infecciosos responsáveis por essas doenças conseguem se desenvolver na água e se espalhar mais facilmente.
Em Moçambique, por exemplo, a diarreia, cólera, disenteria, além da malária que está directamente ligada à deficiência do tratamento da água de esgoto são doenças de origem hídrica.
Em 2024, cerca de 11.622.191 casos de malária resultaram em 350 mortos. A diarreia ocupou a segunda posição no contexto de doenças de origem hídrica, tendo afectado 479.774 pessoas, das quais 99 perderam a vida.
Ainda no ano passado, foram registados 8.160 casos de cólera, com 46 mortos, maioritariamente da Província de Nampula, além da disenteria que matou cinco pessoas dos 77.248 casos registados.
Apesar dos avanços institucionais e dos investimentos realizados ao longo das últimas décadas, Moçambique ainda enfrenta desafios significativos no acesso universal à água potável e ao saneamento seguro.
Os dados oficiais indicam uma cobertura relativamente elevada nas zonas urbanas, mas a realidade no terreno demonstra que o acesso contínuo à água de qualidade ainda não é uma garantia para grande parte da população.
O aumento da infra-estrutura de abastecimento nem sempre se traduz na melhoria efectiva das condições de vida, pois a distribuição irregular, a falta de manutenção e a baixa qualidade da água comprometem os benefícios esperados. As doenças hídricas, incluindo diarreias e surtos recorrentes da cólera, continuam a ter um impacto devastador na saúde pública, especialmente entre crianças, sendo uma das principais causas de mortalidade infantil.
A pressão sobre as unidades sanitárias causada por essas doenças poderia ser reduzida significativamente com investimentos mais eficazes em acesso à água segura e saneamento adequado. No entanto, a governança do sector da água e saneamento ainda carece de um compromisso mais estruturado para lidar com os determinantes sociais da saúde, garantindo que os recursos destinados ao sector resultem em impactos reais e sustentáveis.
Diante desse cenário, é essencial que o sector de água e saneamento não se limite a expandir a infra-estrutura, mas priorize políticas e mecanismos que assegurem qualidade, acessibilidade e equidade no acesso.
AdRMM desmente o estudo
A Águas da Região Metropolitana de Maputo (AdRMM) refuta as alegações divulgadas, recentemente, pelo “Observatório Cidadão para a Saúde”, segundo as quais a empresa estaria a fornecer água contaminada e, por isso, imprópria para o consumo humano.
Segundo o director de Manutenção e porta-voz da AdRMM, João Francisco, citado pelo Jornal @verdade, a água fornecida às cidades de Maputo, Matola e aos distritos de Boane e Marracuene está dentro dos parâmetros recomendados internacionalmente, inclusive pelo Ministério da Saúde (MISAU) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo observados rigorosamente, durante o seu tratamento, os mais elevados padrões de qualidade com vista a garantir a remoção de partículas e micro-organismos nocivos à saúde.
A solução de tratamento da água adoptada pela empresa é convencional, com cinco etapas, nomeadamente a pré-cloração, a floculação, sedimentação, a filtração e a oxidação ou desinfecção. Este processo garante que a água distribuída à população seja segura para o consumo humano.
“Em todas estas fases do processo de produção e tratamento, há um controlo de qualidade da água e o que se espera é que ela melhore em cada uma das fases, até a última etapa. Este processo é acreditado e certificado, através da norma ISO 9001, que diz respeito à Gestão de Qualidade. De dois em dois anos, somos auditados para se aferir se efectivamente o processo está a ocorrer dentro dos padrões, ou não”.
Internamente, a AdRMM tem mecanismos de monitoria contínua, dispondo, para tal, de um laboratório acreditado pelo Instituto Português de Acreditação (IPAC), que faz a verificação periódica da qualidade da água, sem descurar o facto de o Ministério da Saúde realizar exames regulares para garantir a observância dos parâmetros.
“Nós efectuamos análises laboratoriais diárias, de duas em duas horas, algumas de uma em uma hora, tanto nas estações de tratamento de água de Umbelúzi e de Corumana, quanto nos centros distribuidores”.
“Temos também o regulador, como outra entidade independente, que faz a análise da qualidade da água por nós produzida e fornecida aos consumidores. Todos esses elementos constituem mecanismos de controlo que foram introduzidos no processo para assegurar que a água está com a qualidade desejada. Por isso, gostaríamos de assegurar à população da Região Metropolitana de Maputo que a água que estamos a fornecer é segura”.
Contudo, a empresa admite a existência de factores externos que podem comprometer ou alterar a qualidade da água, tais como perdas na rede, reservatórios domésticos mal conservados e a duração prolongada do armazenamento, que podem resultar em riscos de contaminação. Contra isso, “é necessário que os clientes também tenham hábitos que garantam que, de facto, a qualidade de água se mantenha segura, até ao consumo final. Aconselhamos que os clientes lavem, pelo menos uma vez por ano, os reservatórios e os recipientes que usam. Igualmente, podem adoptar métodos adicionais recomendados pelo Ministério da Saúde sempre que julgarem necessário, como é o caso do uso de purificadores de água”.
Lembre-se que em 2023, “Profundus” reportou a eclosão da cólera no dia 24 de julho do ano, onde a cidade de Nampula registou um cumulativo de 540 casos que resultaram em três óbitos. O consumo do escasso líquido do Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), foi apontado pelas autoridades como uma das causas da doença.
A informação foi partilhada pelo administrador do distrito de Nampula, Abdurremane Sulemane, à margem da reunião multissectorial intencionada a monitorar e discutir estratégias de combate à cólera.
Na ocasião, o administrador Sulemane detalhou: “Ao nível do distrito de Nampula, existem furos ou focos de tubagens de água abertas em vários bairros e que os populares tiram a água e consomem-na. E o FIPAG partilhou-nos esta informação cruzada”, disse o administrador, esclarecendo que “quando a água fecha as condutas, [chupam-na] suja que havia sido aglomerada, e quando volta a sair, temos o consumo”, infectando.
Abdurremane Sulemane que falava a jornalistas no dia 31 de agosto daquele ano, disse que as amostras levadas para análise do Laboratório de Águas e Alimentos de Nampula, concluíram que mais de “50 por cento da água daqueles furos é imprópria ao nível do nosso distrito”. Esta informação, igualmente, foi contestada através daquele jornal que o faz hoje. (Profundus).