Sociedade Civil boicota Fórum de Consulta sobre Terras

As organizações nomeadamente, Acção Académica para Desenvolvimento das Comunidades Rurais – ADECRU, Alternativa Acção pela Emancipação Social, Associação dos Jovens Combatentes do Monte Errego – AJOCME, Justiça Ambiental – JA!, Missão Tabita, Natural Justice, Plataforma da Sociedade Civil da Província de Manica (Sociedade Civil), anunciam a sua decisão de se abster de participar na X Sessão do Fórum de Consulta sobre Terra, alegando irregularidades no processo de revisão da Lei de Terra.

Sob lema “Por um acesso equitativo, posse segura, uso sustentável da terra e outros recursos naturais, ao serviço da sociedade moçambicana”, a X Sessão do Fórum de Consulta sobre Terras (FCT) já decorre desde manhã desta segunda-feira, na cidade de Maputo, capital moçambicana.

Um comunicado da Justiça Ambiental (JA!) explica que este “boicote resulta das irregularidades persistentes no processo de consulta pública para a revisão da Lei de Terras (Lei 19/97, de 1 de Outubro), pois apesar da participação activa e o esforço daquelas desde o início do processo e da insistência na melhoria e cumprimento de normas relativas ao processo de consulta pública, particularmente a consulta às comunidades rurais, pouco ou nada tem sido acolhido ou discutido pela Comissão de Revisão da Política Nacional de Terras.

A decisão das OSC decorre de falhas críticas no processo de revisão, que comprometem a transparência, a inclusão, descentralização, prestação de contas e cumprimento das normas constitucionais, legais e dos padrões internacionais relativos a participação pública”.

As principais preocupações incluem:

– Marginalização das comunidades rurais: As consultas têm sido centradas nas zonas urbanas, excluindo mais de 65% da população rural de Moçambique, incluindo mulheres e pessoas deslocadas em regiões como Cabo Delgado. Este facto viola o direito constitucional dos moçambicanos e moçambicanas à participação na vida da Nação (Artigo 73 CRM) e a obrigação do Governo de criar mecanismos adequados para assegurar a participação pública, e sobretudo das comunidades locais, na elaboração de políticas e legislação sobre recursos naturais (artigo 8 da Lei N.20/97, de 1 de Outubro – Lei do Ambiente).

– Falta de transparência: A informação sobre o processo é de difícil acesso, disponível apenas em Português e em linguagem sofisticada, portanto, inacessível à grande maioria da população. Os documentos relevantes não estão disponíveis ao público em geral, na sua maioria são partilhados apenas via internet, uma vez mais inacessível a grande parte da população. Os contributos do público são habitualmente ignorados sem justificação e os documentos essenciais, como o glossário do AnteProjeto 3 da Lei de Terras, continuam indisponíveis, impedindo um envolvimento significativo.

– Consultas superficiais: O processo dá prioridade a resultados pré-determinados, como a digitalização do registo predial, em detrimento de um diálogo genuíno. A dependência do governo em relação às OSC para financiar e facilitar a participação rural, associada a um calendário de consultas irrealista, torna o Fórum de Consulta sobre Terras uma formalidade e não uma plataforma de co-criação de políticas.

– Ausência de mecanismos de prestação de contas (accountability): O Draft a ser apresentado ao Fórum de Consulta sobre Terra não reflete nem as contribuições das Organizações da Sociedade Civil que conseguiram participar do processo, nem ao relatório de consultas públicas elaborado pela Comissão de Revisão da Política Nacional de Terras, o que demonstra total falta de interesse na participação pública, preparação para receber contribuições do público e cultura democrática.

Ademais, nenhuma das propostas de artigos do Draft submetido ao Fórum de Consulta sobre Terra porta fundamentação.

– Riscos de violação de disposições constitucionais e de direitos humanos: o Anteprojecto de Lei de Terras introduz disposições copiadas da Lei Angolana de Terras mas se esqueceu de verificar as disposições supremas da Constituição Angolana. A título de exemplo, o Anteprojeto de Lei de Terras copiou da Lei Angolana os domínios privados e particulares de terras sem sequer verificar os arranjos constitucionais feitos por aquele país para permitir a criação de regimes dominiais privativos. A Constituição moçambicana dispõe sobre domínio público, do Estado, das Autarquias Locais e Comunidades Locais. Para que uma lei criasse tais domínios privativos e particulares, dever-se-ia, antes de mais assegurar que a Lei suprema do Estado, cria condições para tal.  Outros riscos resultam dos artigos 137º, 139º e 140º do Anteprojecto que permitem que os projectos privados extingam os direitos de uso da terra existentes (DUAT), arriscando deslocações forçadas e contradizendo as protecções constitucionais (Artigo 111º CRM) incluindo o próprio texto do Anteprojecto que pretende dar garantias do direito de propriedade ao DUAT, de apenas ser limitado em caso de interesse, utilidade e necessidade pública. A eliminação do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), previsto nas versões anteriores põe ainda mais em risco os direitos das comunidades.

O Fórum de Consulta sobre Terra, tal como está actualmente estruturado, não cumpre os padrões básicos de inclusão e transparência. Enquanto organizações da sociedade civil que defendem direitos e inclusão, não vamos participar nem tão pouco legitimar o processo até que o governo se comprometa com um processo genuinamente participativo que respeite os direitos de todos os moçambicanos.

“Não podemos legitimar um processo que exclui as próprias comunidades cujas vidas dependem da terra”.

As OSCs exigem que ao Governo de Moçambique e aos financiadores do processo, entre estes o Banco Mundial para a:

– Suspensão do Fórum e definição de uma metodologia e calendário de consultas públicas que possa assegurar a inclusão das comunidades rurais, garantindo a equidade de género e a acessibilidade linguística;

– Publicação de toda a documentação detalhada e uma metodologia para incorporar os contributos do público, em linguagem acessível e nas principais línguas locais;

– Assegurar que o processo de revisão da Lei de Terras, resulte numa Lei de Terras que reflicta e defenda os interesses legítimos dos moçambicanos e salvaguarde os direitos históricos das comunidades sobre a terra.

Nossa Terra Nossa Vida!

Nada Para Nós Sem Nós! (Profundus).

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Olá 👋 É um prazer conhecermo-nos.

Registe-se para receber diariamente noticias no seu email.

Não enviamos spam! Leia a nossa política de privacidade para mais informações.