Moçambique desligou, no 10 de Dezembro de 2021, os últimos emissores analógicos de televisão, marcando assim a conclusão do processo de migração da radiodifusão televisiva de analógica para digital1. Alinhado com os objectivos da União Internacional das Telecomunicações (UIT) de que Moçambique é estado-membro, o Governo moçambicano considera a migração digital uma oportunidade para maior acesso à televisão pelos moçambicanos, uma vez que o sistema analógico não tinha uma cobertura em todo o território nacional, contrariamente ao sistema digital que oferece possibilidades tecnológicas de acesso à televisão, em qualquer parte do país, através de provedores que operam diversas plataformas de distribuição.
Entretanto, para aceder ao sinal de televisão digital em qualquer ponto do país, o aparelho receptor (televisor) deve possuir a capacidade de conversão de sinal digital, ou estar conectado a um descodificador de sinal digital, um dispositivo externo que deve ser adquirido junto dos provedores de sinal de televisão. Há um extracto da população moçambicana que já vinha usando a televisão digital através de provedores comerciais, mas a maioria da população de baixa renda, ainda usava a televisão analógica.
Dados do censo populacional de 2017 indicam que cerca de 1,3 milhão de agregados familiares (22%) possuem um televisor.
Antes da migração digital, existiam, em Moçambique, cinco empresas provedoras de sinal de televisão digital, nomeadamente, a TV Cabo, DSTV, GOTV, ZAP e StarTimes. Estes serviços são pagos, partindo do preço mínimo de cerca de 500 meticais por mês mais a aquisição ou aluguer de descodificador do sinal, com custo fixo de cerca de 1000 meticais.
A maioria da população moçambicana usava sinal de televisão aberto, captando sinal de televisão através de receptores de sinal analógico. Ou seja, bastava adquirir um televisor e uma pequena antena de recepção de sinal terrestre para aceder ao sinal de televisão dos canais abertos. Mas, com a migração digital, a maioria dos televisores deixam de ter acesso ao sinal de televisão sem que seja associada a uma rede detida por uma empresa de distribuição de sinal, levantando preocupação sobre como a migração digital irá afectar, negativamente, o acesso à televisão pelos moçambicanos e, consequentemente, pôr em causa o exercício do direito à informação, um direito humano e fundamental nos termos do artigo 48 da Constituição da República de Moçambique.
A migração digital foi decidida em conferência da UIT realizada em Genebra, em Junho de 2006, que fixou princípios técnicos e os prazos para a migração da radiodifusão televisiva (Televisão) digital, para Junho de 2015.
O Governo moçambicano adoptou as recomendações da UIT em sessão do Conselho de Ministros de 7 de Dezembro de 2010, escolheu o padrão tecnológico Europeu designado Digital Video Broadcast Terrestrial (DVB-T) e criou a Comissão Nacional de Migração Digital (COMID), uma comissão intersectorial para a elaboração de uma Estratégia de Migração da Radiodifusão Analógica para Digital5. O actual modelo de migração digital foi adoptado a partir dos trabalhos da COMID.
Migraçã o digital manipulada para beneficiar a elite governante?
Para garantir a migração digital, o Governo de Moçambique lançou um concurso público internacional a fim de seleccionar a empresa que iria financiar e implementar o processo. Sem surpresa, em Outubro de 2016, o Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) anunciou a adjudicação do Concurso Público número 09/UGEA/INCM/2016 à StarTimes Software Technologies Ltd. para implementar a migração digital em Moçambique.
A adjudicação da migração digital à StarTimes era apenas a formalização de uma decisão que, na verdade, havia sido tomada seis (06) anos antes.
Em Junho de 2010, uma delegação do Governo moçambicano visitou a China para negociar financiamento a vários projectos com o Exim Bank (Banco de Exportação e Importação) daquele país. No leque dos projectos, estava incluído a digitalização da radiodifusão. O Exim Bank aceitou a conceder o financiamento, mas condicionou que a migração digital fosse executada por uma empresa chinesa, no caso, a StarTimes Software Technologies Ltd.
No dia 17 de Junho de 2010, Aires Ali, na altura Primeiro-Ministro, e o presidente da StarTimes Group, Xin Xing Pang chegaram a acordo sobre o financiamento e a concessão da execução da migração digital à empresa chinesa.
Nessa mesma data, 17 de Junho de 2010, era registada, na Conservatória de Registo de Entidades Legais de Maputo, por um cidadão moçambicano então gestor de negócios da família Guebuza, de nome Dino Mamudo, uma empresa denominada StarTimes Mozambique Media Company Limitada.
Foram declarados sócios da recém-registada empresa, a SDTV Holdings, empresa com sede nas Ilhas Maurícias, como 85% do capital, e os restantes 15% ficaram com Focus 21 – Gestão e Desenvolvimento Limitada, holding da família Armando Guebuza, presidente das República, na altura dos factos.
Primeiro, ajuste directo e depois o concurso
No dia 01 de Abril de 2014, o então Ministro dos Transportes e Comunicações, Gabriel Muthisse, assinou acordo através do qual o Governo entregava o processo de migração digital da radiodifusão em Moçambique à empresa do grupo chinês StarTimes Software Technologies Ltd. Tratava-se de um ajuste directo, sem concurso público.
Gabriel Muthisse justificou a modalidade de contratação alegando que se deveu ao modelo escolhido para custear o processo de migração digital, que impunha a indicação de uma empresa do país que financia o projecto.
“Optámos pelo financiamento do Banco de Exportações e Importações (EXIM BANK) da China e, por isso, vamos trabalhar com a StarTimes Software Technology no processo de migração da radiodifusão”, explicou o então Ministro dos Transportes e Comunicações, Gabriel Muthisse, momentos após assinatura do contrato com a StarTimes.
Migração digital é negócio da família Guebuza
A migração digital é negocio da empresa da família Guebuza, a Focus 21 Gestão e Desenvolvimento Limitada ou simplesmente Focus 21, que detém 15% do capital social da StarTimes Media Company Mozambique, Limitada.
Na altura, a Focus 21 tinha 100 milhões meticais de capital distribuído entre Armando Guebuza e seus filhos:
Amando Guebuza, com 80%, equivalentes a 80 milhões de meticais;
Armando Ndambi Guebuza, com 5%, equivalente a 5 milhões de meticais;
Mussumbuluko Armando Guebuza, com 5%, equivalente a 5 milhões de meticais;
Valentina da Luz Guebuza (já falecida), com 5%, equivalente a 5 milhões de meticais;
Norah da Luz Guebuza, com 5%, equivalente a 5 milhões de meticais.
A StarTime de Moçambique é materialmente a representação local da SStarTimes Software Technologies Ltd. Todo trabalho técnico da migração digital foi executado pela empresa do país. Até o processo de intermediação entre a StarTimes e o INCM, no concurso público nº 09/UGEA/INCM/2026. Portanto, há uma diferença material entre as duas empresas, StarTimes da China e StarTimes de Moçambique.
Em 2016, num contexto em que os doadores exigiam mais transparência nos negócios públicos, Sobretudo com a pressão exercida devido às dívidas ocultas, tendo até suspendido o apoio directo ao Orçamento do Estado, e, colocando como uma das condições para a retoma da ajuda mais transparência nos negócios do Estado, o Governo decidiu, então, cancelar a concessão da migração digital por ajuste directo e lançar um concurso público. O concurso foi manipulado para ser ganho pela mesma StarTimes, através de definição de especificações técnicas, prazos e composição de júri favoráveis, conforme explica-se a seguir.
Especificações técnicas desenhadas pela TMT, TVM e INCM
A elaboração das especificações técnicas do concurso ficou a cargo do Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique (INCM), da Televisão de Moçambique, E.P, (TVM) e da Empresa de Transporte, Multiplexação e Transmissão (TMT).
A TMT fora constituída no dia 2 de Abril de 2014, tendo como accionistas três empresas públicas, as Telecomunicações de Moçambique, Rádio Moçambique e a Televisão de Moçambique.
A TMT foi constituída um dia após a adjudicação directa do sistema de migração digital à empresa StarTimes, anunciada no dia 1 de Abril de 2014, tendo como responsabilidades: codificar, multiplexar, transportar e difundir o sinal de radiodifusão televisiva digital terrestre no território nacional.
Portanto, desde a primeira adjudicação do processo de migração digital, a StarTimes Software Technologies Company, Lda que ocorreu em Abril de 2014 até à rescisão do contrato e anúncio do lançamento de um novo concurso, a StarTimes tinha que trabalhar em estreita colaboração com a TMT pois, esta empresa é que iria operacionalizar a rede de transporte e distribuição do sinal digital.
Quando foi tomada a decisão de lançar o concurso, a responsabilidade de elaborar as especificações técnicas ficaram a cargo da TMT, TVM e do INCM. Este é o primeiro sinal de manipulação do concurso na medida em que tanto a TMT como a TVM tinham uma relação privilegiada de trabalho com a StarTimes. Desta forma, a TVM e o TMT desenharam especificações técnicas à medida da StarTimes, afastando outros potenciais concorrentes.
Os documentos do concurso consultados mostram que na avaliação técnica, “das seis (6) propostas recebidas, apenas a proposta da StarTimes mostra(va)-se elegível em 100% e respondia todos os requisitos definidos como critérios de pré-qualificação e, consequentemente, qualificada para as etapas subsequentes (avaliação técnica, financeira e financiamento”.
Naturalmente que as especificações técnicas foram desenhadas à medida da StarTimes.
Como se pode depreender, das seis empresas e consórcios que submeteram as suas propostas para a implementação da Migração Digital, somente o concorrente StarTimes, que já tinha mais de dois anos de conhecimento do processo e relações de trabalho com os principais intervenientes no processo é que conseguiu obter 100% de elegibilidade, eliminando, por conseguinte, as propostas dos demais concorrentes, ainda na fase de pré-qualificação.
Prazo irrealista para a submissão das propostas
Um segundo aspecto que condicionou todo o concurso foi o prazo estabelecido para submissão das propostas por parte dos concorrentes. O concurso internacional foi lançado no dia 6 de Julho de 2016 sendo que a abertura das propostas estava marcada para o dia 10 de Agosto de 2016.
Apenas dois dias após o anúncio do concurso no jornal Notícias, mais concretamente no dia 8 de Julho de 2016, uma das empresas interessadas em participar do concurso, a Multichoice Moçambique, escreveu uma carta ao INCM solicitando a prorrogação do prazo de submissão das propostas, mostrando que o prazo avançado pelo INCM era impossível de cumprir, tendo em conta a dimensão do objecto do concurso.
Partindo do pressuposto de que as propostas seriam abertas no dia 10 de Agosto de 2016, as empresas interessadas, em participar deste concurso, teriam, sensivelmente, 6 semanas para preparar as suas propostas e submeterem à Unidade Gestora Executora de Aquisições do INCM.
Porém, estava-se em presença de um concurso internacional cujas especificidades do mesmo exigiam uma enorme complexidade técnica e a mobilização de equipas multidisciplinares para a viabilização das propostas apresentadas pelos diferentes concorrentes.
Segundo os documentos do concurso consultados, para além da Multichoice Moçambique, outras empresas interessadas no concurso enviaram cartas de protesto à INCM em relação ao período de tempo atribuído para a submissão das propostas técnicas e financeiras relativas ao concurso. Trata-se da Huawei Technologies, Teleconsultores Lda, a ZTE Corporation.
Perante as manifestações de protestos das empresas interessadas em participar do concurso, o presidente do INCM emite um ofício urgente dando ordens para que a UGEA da mesma instituição publicasse um anúncio no jornal Notícias, dando a conhecer a prorrogação do prazo do concurso. No dia 18 de Julho, foi publicado o anúncio da prorrogação do prazo do concurso até o dia 30 de Agosto de 2016. Com a prorrogação, o concurso passou a ter a duração de 55 dias, período de tempo ainda demasiado curto para um concurso internacional daquela dimensão, segundo especialistas consultados.
Nestes termos, mesmo após a prorrogação do concurso, algumas empresas tais como a Huawei Technologies e a ZTE Corporations, ainda solicitaram uma nova prorrogação dos prazos, pedido a que o INCM não atendeu.
Portanto, o prazo curto estabelecido para a submissão das propostas dos potenciais interessados em participar do com curso de migração digital funcionou como impedimento real aos demais concorrentes e beneficiou a StarTimes que já estava dentro do processo havia mais de dois anos.
Um outro aspecto prendia-se com o facto de o concurso exigir que as empresas concorrentes procurassem financiamento que ajudasse a viabilizar as propostas apresentadas, isto é, as empresas ou consórcios deviam identificar um parceiro financeiro que viabilizasse a sua proposta, financiando o projecto de migração digital. Exigia-se ainda que o financiamento não deveria ser demasiado oneroso em termos de pagamento dos juros da dívida e, de preferência, teria que ser pago no maior espaço de tempo possível, de modo a não sufocar as contas públicas.
A engenharia financeira imposta, aliada aos valores envolvidos nesta operação, tornava-se uma miragem de realizar em tão curto espaço de tempo. Somente um concorrente que tivesse acesso a informação privilegiada sobre o lançamento deste concurso com muita antecedência é que poderia conseguir, em tão curto espaço de tempo, apresentar as garantias de financiamento necessárias.
Boas práticas internacionais mostram que para um concurso daquela dimensão, em que os concorrentes deveriam, acima de tudo, apresentar também um parceiro que financiasse a implementação do processo, o período de submissão de propostas deveria ser no mínimo de 3 meses, para que houvesse tempo suficiente para as empresas deslocarem-se ao país onde se realiza o concurso, conhecerem as condições no terreno – técnico, materiais, infra-estruturas, recursos humanos e financeiros, etc. – de modo a prepararem uma proposta realística.
Composição do júri do concurso
Uma das regras básicas, de modo a evitar-se conluio ou actos pouco transparentes nos processos de procurement, reside na segregação de tarefas. Isto é, de modo a evitar que os mesmos indivíduos ou instituições tenham controlo sobre todo o processo de procurement, é preciso que haja uma clara divisão de tarefas. Por exemplo, quem identifica as necessidades
de aquisição, não pode ser o mesmo que desenha as especificações técnicas do concurso, recebe as propostas e faz a respectiva avaliação.
Contudo, no concurso que culminou com a atribuição da migração digital à StarTimes, o júri era composto pelo Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique, que era a entidade contratante; a Empresa de Transporte, Multiplexação e Transmissão (TMT); a Televisão de Moçambique; o Ministério das Finanças e as Telecomunicações de Moçambique.
Ora, parte do júri, mais concretamente a TMT e a Televisão de Moçambique, já tinha participado no processo de concepção das especificações técnicas, para além de que possuíam uma relação de mais de dois anos de trabalho com um dos concorrentes, no caso concreto a StarTimes. Obviamente, que tal relação constituiu uma vantagem para esta empresa no momento de tomada de decisão sobre adjudicação do concurso.
O argumento avançado pelo Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique, para a constituição do júri, baseia-se no facto de o mesmo ser constituído pelas entidades que têm interesse directo no projecto. Porém, este concurso já tinha um historial de ajuste directo, sendo que uma das empresas concorrentes era exactamente aquela que já havia sido adjudicada o concurso e, por conseguinte, tinha uma relação com algumas das instituições que compunham o júri.
StarTimes em duplo papel
Depois de ganhar o concurso de implementação da migração digital, a StarTimes passou a integrar a estrutura accionista da TMT. Em Assembleia Geral da TMT realizada a 20 de Setembro de 2017, ficou decidida a saída da TDM da estrutura accionista da TMT, cedendo a totalidade das suas acções à TVM e RM. Por outro lado, foi deliberada a entrada da StarTimes na estrutura societária da TMT10. Outra empresa que passou a fazer parte da estrutura accionista da TMT é a Hantex International Co. Limitada, com sede nas Maurícias. Sucede, porém, que a mesma StarTimes é provedora de serviços de televisão digital em Moçambique, competindo com outras empresas que têm a mesma actividade. Porém, por outro lado, a StarTimes está na estrutura societária da TMT, fazendo com que também realize serviços de processamento, transporte, distribuição, e emissão de sinais de rádio e televisão digital.
Em termos práticos, isto significa que a TMT distribui conteúdos de canais de televisão nacional por meio de contrato com estes canais, no entanto, passa os meios canais para a StarTimes, que os distribui de igual modo. Ou seja, neste momento a StarTimes tem duas plataformas de distribuição de televisão digital, nomeadamente a própria StarTimes e a TMT.
Esta situação carece de uma melhor regulação pelo INCM, na medida em que a StarTimes coloca-se em situação de vantagem desleal em relação à concorrência. Há casos conhecidos de disputas entre canais de televisão produtoras de conteúdos que, tendo acordos para transmissão através da TMT, canais a ser transmitidos pela StarTimes, sem que houvesse acordos de transmissão entre as partes.
Por outro lado, sem consulta pública, a TMT que taxas passaria a cobrar às empresas privadas de televisão, pela transmissão do sinal? Segundo um artigo do Jornal Savana, a partir de Janeiro de 2022 a TMT anunciou que cada uma das televisões, para ter acesso ao sinal digital, deveria pagar 635 mil meticais por mês, o que, segundo a mesma publicação, deixou os gestores das televisões privadas preocupados, visto tratar-se de um valor incomportável.
Na sequência desta decisão da TMT, emergiu um conflito com alguns canais de televisão privada, que retiraram, temporariamente, os seus canais da TMT, vendando assim o cidadão de aceder aos mesmos canais. O conflito foi resolvido, temporariamente, mas, há risco do mesmo voltar a acontecer caso o regulador não tome decisão de anular as taxas de pagamentos pelas televisões privadas à TMT.
Um estranho financiamento público para negócio privado
Tanto pela estrutura accionista como pelo modelo de funcionamento, a TMT é um negócio privado, participado por empresas públicas – a TVM e RM – com 30% de acções cada.
Entretanto, a TMT beneficiou de um financiamento público para a execução do seu negócio.
Apesar do concurso público que levou à adjudicação da migração digital à StarTimes prever, nas especificações técnicas, que o vencedor devia mobilizar financiamento para a execução do projecto, foi o Governo de Moçambique que contraiu empréstimo no valor de 156 milhões de dólares, jumto do Exim Bank da China, no dia 27 de Fevereiro de 2017. O valor é destinado ao financiamento do Projecto de Migração Analógica para Digital.
Em termos práticos, o Governo endividou para financiar um serviço público de migração digital, mas que é realizado por uma empresa privada. O serviço da dívida pela que financiou a migração digital será pago pelo erário público, segundo fontes do Ministério das Fianças consultadas. As mesmas fontes referem tratar-se de crédito concessional, com taxa de reembolso bonificados. Pedido de partilha de informação sobre os detalhes do referido crédito foram submetidos ao Ministério das Finanças, sem resposta.
Para este tipo de serviços, um modelo ideal de financiamento seria através de uma Parceria Público-Privada (PP), em que a entidade contratada mobiliza o financiamento, podendo ser com garantias do Governo. Para o pagamento do crédito, a entidade contratada iria cobrar taxas pelos serviços prestados, no caso da distribuição de serviços televisivos.
É igualmente estranho que para transmitir canais nacionais através do seu sinal, a TMT exige pagamento destes, não estando neste momento especificado quanto deve, cada canal, pagar para poder transmitir na grelha da TMT. Esta é uma inversão dos negócios de transmissão de conteúdos televisivos, na medida em que os demais provedores de televisão digital pagam aos canais de televisão produtora de conteúdos para que estes possam ser transmitidos nos canais.
Descodificadores MT vendidos ao preço do mercado
Os descodificadores da TMT que são necessários para garantir o acesso aos serviços de televisão digital estão à venda e ao preço do mercado. Quando ainda se debatia o processo da migração digital, havia proposta de que os descodificadores fossem subsidiados pelo Estado para permitir a gratuitidade do serviço público de televisão. Antes da migração digital, o sinal de televisão analógico era gratuito. Bastava ter aparelho receptor da televisão e uma antena externa, era possível aceder aos canais abertos nacionais.
Com a migração digital passou a ser necessário possuir descodificador para conectar ao televisor. Os descodificadores da TMT estão à venda ao preço de 999 meticais, mas chega a atingir 1500 meticais nos revendedores13. Este é o preço do mercado de um descodificador de sinal de televisão digital, havendo até alguns mais baratos como da Gotv que custa cerca de 700 meticais.
Professor Celestino Joanguente, autor da obra “A migração para a televisão digital em Moçambique: Processo, modelo de negócio e conflitos” publicada em 2021, defende, por exemplo, o modelo público de radiodifusão em que nada pode ser imputado ao consumidor, pois entende que o contribuinte deve ter dado boa parte das suas finanças para o funcionamento desta televisão, então não pode ter custos acrescidos em relação a essa televisão.
Parte do valor do empréstimo dos 156 milhões dólares, contraídos pelo Governo de Moçambique junto do Exim Bank da China podia ser usado para financiar a aquisição de descodificadores ou no mínimo subsidiá-los, para garantir que a migração digital não signifique exclusão das famílias mais desfavorecidas de acesso aos serviços de televisão pública. (“Nhamirre, B. (2022). Migração Digital em Moçambique Transformado em Negócio Privado em Detrimento de Serviço Público? MISA: Maputo”).