Dois activistas que colaboram com a Justiça Ambiental (JA!) foram interpelados pela Polícia da República de Moçambique (PRM), na comunidade de Nachiropa, e levados ao Comando Distrital da PRM em Nacala-a-Velha, na província de Nampula, no último domingo 25 de maio. Denuncia a defensora do Meio Ambiente.
Os activistas estavam nessa comunidade a pedido de membros da própria comunidade, com o objectivo de documentar e recolher depoimentos das famílias afectadas pela poluição do carvão que é transportado em carruagens sem cobertura ao longo da linha férrea Moatize-Nacala, conhecida como o Corredor Logístico de Nacala.
As comunidades que vivem ao longo deste corredor denunciam a contaminação dos cursos de água e do solo, dificuldades na produção agrícola, desaparecimento do peixe no mar e consequentemente dificuldades na prática da pesca (principal actividade de subsistência de muitas famílias em Nachiropa e arredores), problemas de saúde, em particular doenças respiratórias e perda de visão. Referem também que estes impactos vêm acontecendo perante os olhos do governo distrital, que nada faz para mudar este cenário.
“Na altura em que fomos detidos pela PRM, estávamos a fazer o nosso trabalho normalmente com a comunidade, que se havia aglomerado no local onde estávamos a fazer entrevistas. De repente, vimos a chegada de um carro de marca Mahindra com oito policiais armados lá dentro. Chegaram em alta velocidade, e imediatamente saltaram do carro e rodearam-nos com uma abordagem bastante agressiva. A comunidade ficou revoltada, pois interpretou aquela acção da polícia como uma tentativa de impedir que o seu sofrimento fosse documentado, e começaram a gritar e expulsar os agentes do local. Acusaram a polícia de querer vê-los a continuar a sofrer com a poeira do carvão” – afirmou Charles de Moniz, um dos activistas da JA!
Os activistas conseguiram acalmar os ânimos da comunidade. Em seguida, foram escoltados pela PRM até ao Comando Distrital em Nacala-a-Velha. Chegando no Comando, viram todos os seus pertences serem confiscados, incluindo os seus materiais de trabalho, e foram interrogados pelo comandante Lélio Leonardo Massave, que afirmou que estavam ali porque não se haviam apresentado ao governo local, e isso havia levantado ‘suspeitas’ em relação ao seu trabalho – sem que fundamentasse quais seriam essas suspeitas.
“Mesmo depois de terem visto as imagens que gravámos no local e vasculharem os nossos pertences, decidiram manter-nos detidos lá no Comando durante seis horas. A dada altura, parecia que nos tinham abandonado lá, pois o Comandante e a maioria dos agentes saíram. Não nos deram nenhuma explicação a respeito das acusações contra nós, nem qual era a base legal para a nossa detenção. Apenas nos diziam que não devíamos estar a trabalhar sem nos apresentarmos ao governo local para informar o que iríamos fazer. Também nos perguntaram se sabíamos que havia terrorismo em Cabo Delgado” – reiterou Charles.
Por volta das 14h, os dois activistas foram postos em liberdade pelo Chefe das Operações, sem esclarecimentos adicionais, mas não sem que este recomendasse que pedissem autorização ao governo local quando pretendessem voltar a trabalhar com a comunidade do bairro de Nachiropa.
Ora, é bem sabido que qualquer cidadão tem o direito de circular livremente em todo o território nacional, e de se envolver em questões de seu interesse ou de interesse público, como é o caso da protecção e preservação do meio ambiente. Esta actuação da polícia viola direitos fundamentais e princípios básicos de liberdade de expressão, direito à informação e participação democrática, além de configurar abuso de autoridade e detenção ilegal, uma vez que os cidadãos não foram informados das acusações que tinham contra si.
É igualmente grave esta perseguição às organizações da sociedade civil e aos activistas ambientais, sociais e políticos em Moçambique, particularmente aquelas/es que trabalham para documentar e denunciar os impactos devastadores dos grandes investimentos estrangeiros. Adicionalmente, a exigência de que organizações da sociedade civil se apresentem às autoridades governamentais antes de desenvolverem as suas actividades constitui uma clara violação dos direitos constitucionais de associação e liberdade de movimento. Nenhuma organização da sociedade civil que esteja a operar em conformidade com a lei precisa de autorização do governo local para realizar as suas actividades. Esta prática não só contradiz os princípios estabelecidos na Constituição da República, que garante o direito de associação, como também contraria as normas internacionais de direitos humanos, conforme já foi alertado pela ONU ao governo moçambicano. Estas exigências burocráticas e ilegais servem como mecanismos de controlo e intimidação, abrindo espaço para que o governo monitore, restrinja e até impeça o trabalho legítimo de organizações que documentam violações ambientais e de direitos humanos.
Esta repressão não é acidental, nem fruto de um mal-entendido, mas sim uma manifestação clara do alinhamento entre o Estado moçambicano e as empresas transnacionais, onde a defesa dos lucros corporativos prevalece sobre os direitos fundamentais dos cidadãos e a protecção ambiental. Mais uma prova deste conflito de interesses é a oferta recente, por parte da Nacala Logistics (empresa responsável pelo transporte ferroviário ao longo do Corredor de Nacala) de viaturas e motorizadas à PRM de Nacala-a-Velha, para “manter intactos os activos da empresa”. Ou seja, a empresa que polui o meio ambiente e deteriora a vida das populações que vivem ao longo da linha férrea é a mesma que forneceu veículos à PRM, que os usa para deter activistas ambientais e sociais a trabalharem em defesa destas comunidades e do meio ambiente!
Esta postura do governo, a trabalhar em conluio com a PRM em defesa dos interesses das empresas, não apenas impede o exercício legítimo da cidadania activa, como também cria um ambiente de impunidade para as práticas predatórias destas empresas, perpetuando um modelo de desenvolvimento que sacrifica o bem-estar das comunidades locais e a sustentabilidade ambiental em favor de uma elite política e económica que beneficia directa e exclusivamente destes megaprojectos. Até quando esta impunidade? Questiona a JA!