Para poucos é Ganizane Marcelino Melo Quembo. A maioria o conhece de Amazinh Boy, na música. Não só canta e encanta, mas também ensina inglês, além de ler e escrever em braille. A deficiência visual já não é barreira para ele e quer fazer sonhar aos outros independentemente da condição física.
Sonhos alterados
Ganizane sonha em terminar os estudos em melhores escolas. “Na vida eu tive um drama. Comecei a estudar em 2015, pré-classe; 1ª classe em 2016; e 5ª classe em 2020, onde a nossa escola [Instituto de Deficientes Visuais] teve que parar aproximadamente 4 anos. Isto quer dizer que querendo como não, tivemos que reprovar e somente foi em julho de 2023 que as actividades retomaram no IDV”.
“Tive que fazer algo, estudar para passar de classe porque tinha perdido muita matéria. Conclui a 6ª classe no dia 21 de novembro de 2023. E faço coisas que as pessoas negam às vezes”.
“O conhecimento pode não depender do nível mas sim, da dedicação. Tenho provas de alunos normovisuais que ainda não conseguem fazer ditado”, defende Ganzane.
A prova da dedicação
Ganizane escreve o texto a seguir:
Vinte e dois de Julho de 1969 foi fundado o Instituto de Deficientes Visuais da Beira. “I-D-v”, por Acis Milto como ensino particular.
Sua finalidade, obter que os deficientes visuais em Moçambique consigam estudar, ler, e escrever e, afastar a tristeza de que não somos nada no mundo.
Hoje, os deficientes visuais em Moçambique conseguem ler, escrever, jogar futebol, manejar telefone e computador.
Temos bola especializada para pessoas com a deficiência visual. A bola tem guizos por dentro e quando a bola está a movimentar, ela produz um som e é possível seguir o rasto.
Antes de aprender o computador, desactivamos todos serviços, mas deixamos o sistema nvda “leitor da tela”, para nos dizer o nome de cada tecla e somos obrigados a decorar na mente. Nenhuma tecla está escrita em braille no computador mas, com a ajuda do sistema, conseguimos fazer tudo aquilo que nós precisamos.
No telemóvel, o sistema talkback que é também leitor da tela, lê tudo o que está no ecrã e diz como entrar naquela pasta.
As letras:
Como nós soubemos que no computador, as letras estão organizadas em fila, ao querer escrever nós já temos conhecimento que, Q, W, E, R, T, Y, U, I, O, P, estão na mesma fila. A, S, D, F, G, H, K, L, estão na mesma fila. Z, X, C, V, B, N, M, estão na mesma fila e, ao tocar em cada letra, o sistema talkback lê o nome daquela letra.
Braille:
Para começar, são letras formadas por código e o braille possui seis pontos e dentro desses seis pontos encontramos todas letras de A até Z.
Como aprender o braille?
Como em Moçambique está com falta de materiais para aprender o braille, o favo de ovo também vai servir.
Vamos cortar ela e deixemos seis buracos. Depois de termos favo de seis buracos apenas, vamos levar seis bolinhas e vamos preencher aqueles buracos.
Do lado esquerdo começamos a contar por um no primeiro buraco de cima.
A seguir, dois.
Por baixo de dois, três. Portanto, no lado esquerdo temos:
1, 2, 3.
No lado direito temos:
4, 5, 6.
Exactamente são seis pontos. No favo começamos a contar do lado esquerdo para direito.
Na pauta, as coisas já vão mudando. Começamos a contar do lado direito para esquerdo.
No lado direito. 1, 2, 3 e no lado esquerdo 4, 5, 6. Isso na pauta, e não no favo.
Porquê tem sido desta forma?
Na pauta, escrevemos começando do lado direito, pois no término viramos o papel. Logo, o que escrevemos no lado direito vai para o lado esquerdo.
Letra A, ponto 1; B. Ponto 1 e 2; C. Ponto 1 e 4; D. Ponto 1 4 e 5; E. Ponto 1 e 5; F. Ponto 1; 2 e 4; G. Ponto 1; 2 4 e 5; H. Ponto 1; 2 e 5; I. Ponto 2 e 4; J. Ponto 2; 4 e 5; K. Ponto 1 e 3; L. Ponto 1; 2 e 3; M. Ponto 1; 3 e 4; N. Ponto 1; 3 4 e 5; O. Ponto 1; 3 e 5; P. 1; 2; 3 e 4; Q. Ponto 1; 2; 3 4 e 5; R. 1; 2; 3 e 5; S. Ponto 2; 3 e 4; T. Ponto 2; 3; 4 e 5; U. Ponto 1; 3 e 6; V. Ponto 1; 2; 3 e 6; W. Ponto 2; 4; 5 e 6; X. Ponto 1; 3; 4 e 6; Y. Ponto 1; 3; 4; 5 e 6; Z. Ponto 1; 3; 5 e 6.
Este é um texto feito depois que Ganizane confirmou em 2023 regressar a estudar no IDV fechado em 2020 por dívidas acumuladas.
Canta e encanta, mas também reflecte
“Quando eu era miúdo, fazia viola de garrafa e linha para produzir qualquer som semelhante ao da viola. Quero eu dizer, o sonho de ser cantor começou quando criança”.
Hoje, Ganizane soma 11 músicas gravadas.
No domingo, 1 de outubro de 2017, compraram-me uma viola com pessoas de boa-fé, a mamã. Helena Freitas e o papá. Vasco Galante“, como os considera pelo apoio. “Não consigo encontrar palavras certas para os agradecer o suficiente por terem lutado para sempre me virem feliz e para alcançar os meus sonhos. Agradeço. A deficiência não me deixa triste graças a eles e outros amigos portugueses que também têm lutado”.
Ganizane conta que tem “cicatriz na mente devidos os anos perdidos. O plano era terminar 12ª classe em 2017. Mas o sonho é o sentido da vida. Não parei de sonhar. Sonho em ser o professor de inglês e construir uma escola de inglês. Se os homens da tecnologia quisessem-me ouvir, gostaria que fizessem um quadro branco para ajudar o deficiente visual na sala de aula”.
“O quadro deve estar conectado com um computador para que quando eu escrever, as letras estejam no quadro para evitar que alguém venha escrever para mim”.
“Na verdade, eu gostaria também que no futuro fosse eu a representar os deficientes visuais no meu país e eliminar essa mentalidade que não somos nada na sociedade e lutar para educação inclusiva. Pois, é um direito de todos”.
Para o futuro professor de Inglês, a educação inclusiva é realmente importante e “devemos sempre lutar para criar um ambiente onde todos se sentem acolhidos e respeitados”.
Actualmente, Ganizane aprende piano na Casa Cultura, na cidade da Bera. “O objectivo que me levou aprender o piano é de querer dar atenção à nossa sociedade. Eu gosto de viola, e não muito piano. E se existir outras oportunidades para aprender. Somos capazes. Me deixam muito frustrado quando pensam que a deficiência é sinónimo de demência”.
Além do inglês, “amo a História. Muitos estudantes não querem saber sobre a História, dizem que ali há muitos nomes e datas por lembrar. Mas a História é importante porque nos permite conhecer o passado. Apesar de não podermos ver o que ela estuda, ela é importante”.
Primeiros passos de chefia
No IDV, Ganizane já é chefe geral dos alunos. “Fui nomeado como chefe geral dos alunos no sábado, 16 de março”.
“Talvez é o resultado da dedicação dos estudos e foi possível as pessoas me descreverem e me votaram. Me sinto orgulhoso como a minha primeira experiência política”.
Ganizane representa “mais de 65 alunos. Apresentando-lhes o regulamento interno: Direitos e deveres”.
Mas como tudo começou?
Tudo começou com a família Baltazar Bonjesse Franque, camponês, pai de oito filhos e avó de 13 netos.
Através de sua produção e produtividade de culturas de milho e hortaliças e auxílio do PNG, teve uma iniciativa de ajudar crianças órfãs, deficientes e as que se encontram em condições mais desfavorecidas. Ganizane Quembo órfão de pai, na altura com 5 anos, foi uma das 99 crianças beneficiárias da iniciativa de Baltazar Franque.
A iniciativa “cabeça, coração e mão” que para Baltazar Franque significa “saber pensar, praticar com amor tudo que se aprende e pegar com firmeza os instrumentos usados na aprendizagem. Mas parou há mais de 6 anos por falta de fundos”.
As crianças viviam na residência de Baltazar Franque e aprendiam matérias de educação cívica, Língua Portuguesa, Desenhos e Pintura, Higiene Pessoal, Artesanato, e entre outros aprendizados.
Baltazar Franque e sua esposa Maria Duli, considero-os de meus pais. Me educam, me cuidam, lavam minhas roupas desde criança, não consigo mencionar, mas me olham como um filho legítimo, por isso, peço-lhes que continuem com esse coração puro e que Deus os conceda amor para sempre, avaliou Ganizane Quembo.
Em 2016, aquando da “tensão-política-militar, achei melhor que cada família tomasse conta de sua criança. Cada pessoa fugiu para onde achasse seguro. Eu fui à Nhamatanda-sede”. Desde aquela fuga, Baltazar Franque não conseguiu reiniciar a “cabeça, coração e mão”. Aliás, a iniciativa contava com o lucro de sua hortaliça que deixou de ser comprada pela vizinha e maior estância turista, Gorongosa.
A sensação de ter iniciado a projecção
Ganizane Quembo é o único que continua nas mãos da família Baltazar e em tempos de férias, regressa para Nhamatanda.
A confirmação de ter iniciado o sonho de Ganizane, começou com o convite especial para participar a celebração do 246º Aniversario da Independência dos Estados Unidos da América, na Embaixada americana, em Moçambique, em 2022. Ali, o adolescente foi a primeira voz da festa ao entoar o Hino Nacional de Moçambique, para depois sua música, “Todos somos diferentes com os mesmos direitos”, deixando lembranças aos presentes. (Muamine Benjamim e Ganizane Quembo).