Por Júnior Rafael
A presidência da União Africana (UA) deveria ser símbolo de unidade, progresso e compromisso com os valores democráticos. No entanto, quando esse cargo é ocupado por um chefe de Estado com histórico autoritário — como já ocorreu em diferentes momentos da história do continente — abre-se um abismo entre os ideais da organização e a realidade política dos seus membros. A pergunta que emerge com urgência é: Se o presidente da União Africana é um ditador, que futuro resta à África?
A resposta não é simples, mas exige coragem: o futuro da África corre risco de estagnação, retrocesso democrático e deslegitimação de instituições que deveriam protegê-la. A presidência da UA, mesmo que simbólica e rotativa, representa uma liderança moral e política perante o continente e o mundo. Um ditador nesse posto não apenas contradiz os princípios fundacionais da União — como a Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação —, mas também compromete a sua capacidade de agir com legitimidade em crises de direitos humanos e instabilidade política.
A presença de líderes autoritários em posições de destaque no continente não é novidade. A título de exemplo, países como Uganda, Guiné Equatorial, Chade ou Camarões têm sido governados há décadas por regimes que restringem liberdades civis e controlam a imprensa. Quando figuras com esses perfis ocupam cargos representativos na UA, a mensagem que se transmite é ambígua: fala-se em democracia enquanto se pratica a repressão.
A contradição entre o discurso oficial da UA e as acções (ou omissões) diante de golpes de Estado, repressão de manifestações e perseguição de opositores escancara a fragilidade institucional do continente. Um presidente autoritário da UA não é apenas um problema moral — é um obstáculo prático. Como esse líder condenará, com credibilidade, a repressão em outro país quando ele próprio perpetua um regime semelhante? Como poderá mediar conflitos ou defender a alternância de poder, se sua própria trajectória é de perpetuação no cargo?
Recentemente, o activista angolano Osvaldo Kaholo foi preso por expressar críticas ao regime, um episódio que simboliza o cerceamento da liberdade de expressão em muitos países africanos. Casos como esse tornam ainda mais insustentável a ideia de que ditadores possam falar em nome da democracia africana. A prisão de defensores de direitos humanos é não só um atentado à dignidade, mas um sintoma grave da normalização da repressão.
Essa realidade alimenta o cinismo político. Jovens africanos, cada vez mais conectados e críticos, percebem a hipocrisia e se afastam das instituições pan-africanas. O continente, que tem a juventude como maior força transformadora, corre o risco de ver suas esperanças minadas pela repetição de velhas práticas, agora recicladas sob capas diplomáticas.
Por outro lado, essa crise também pode ser oportunidade. A presença de ditadores em espaços de poder continental escancara a necessidade urgente de reformas profundas. A União Africana deve rever os critérios de liderança e reforçar os mecanismos de responsabilização e monitoramento democrático. Mais que uma rotatividade formal entre chefes de Estado, é preciso garantir que aqueles que representam a UA estejam alinhados com seus valores.
A África precisa de lideranças que espelhem o que há de mais promissor em seu povo: resiliência, criatividade, ancestralidade e desejo de mudança. Um presidente da UA que seja ditador é um sintoma — não a doença. A enfermidade é a complacência institucional com a autocracia, a normalização do autoritarismo, a ilusão de que estabilidade pode existir sem liberdade.
Se o futuro da África passa por mais integração e autonomia, ele não pode estar nas mãos de quem silencia vozes e sabota a cidadania. O caminho é longo, mas possível: passa por uma UA comprometida não só com o desenvolvimento económico, mas com a dignidade humana e a soberania dos povos.
A África merece mais. E começa por não aceitar menos.
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