Luísa Baltazar Bonjesse Franque, para alguns, ‘Luisinha’, de 28 anos de idade, natural de Nhamatanda, Província de Sofala, centro de Moçambique, uma das zonas mais afectadas por ciclones, é uma das raras mulheres jovens com estória de superação.
De família humilde, hoje gere uma empresa de comunicação. Para os familiares, a jovem ainda está a perder tempo. “Estudou para quê? Não vimos vantagem”, são frases frequentes.
Empregada em famílias desconhecidas só para estudar
‘Luisinha’ conta na primeira pessoa. “O ensino primário fiz na localidade do Vinho, fronteira com o Parque Nacional da Gorongosa, o qual ajudou-me a ser jornalista, hoje. O nível secundário, de 8ª – 10ª classe fiz na localidade de Metuchira, próximo do Vinho. Vivia numa família que não conheço, como empregada doméstica”, sem direito a subsídio. Queria apenas que lhe ajudassem a estudar. “Tenho dívidas” com aquelas famílias, por tudo que fizeram para mim”.
Luisinha, quando fez 10ª classe, a mãe e irmãos não queriam que a deixassem estudar. “A ideia era de me ver a casar e exigirem o dinheiro de ‘lobolo [dote]” – uma prática da zona rural. “Chorei muito pela situação, já tinha perdido matrícula. Fiquei 4 dias sem comer normalmente, com raiva de perder o ano. O meu pai sentiu pena de mim, foi para escola secundária de Nhamatanda – vila, para matricular-me e quando chegou já não tinha vaga”.
O pai da Luisinha, ao regressar à casa, cruzou com uma senhora que precisava de uma empregada para cuidar de trigémeos de 2 anos de idade. Não foi para pensar duas vezes por lembrar-se que a rapariga não comia querendo apenas estudar. “Aceitei de novo ser empregada sem subsídio, eu por ai 19 anos”.
Aquela senhora que por sinal tinha professores conhecidos, aceitou “matricular-me para estudar à noite”. Ali, segundo conta a Directora do Profundus, viu a saída e a recuperação do sonho de continuar a estudar. “Mas perdi o fôlego quando no primeiro trimestre fui visitar aos meus pais. Feliz por rever a minha família, aquela senhora me telefonou para dizer que não precisava mais de mim, porque levaria os três filhos para a cidade da Beira-capital da província”. Sentiu-se como se uma parte do corpo estivesse desconectada.
Mas por que já tinha provocado os estudos na vila, e de férias, mesmo sem familiar para continuar a estudar naquela zona, “o meu pai fez uma cabana só para me ver a estudar, pois não parava de chorar pelos estudos”. Era uma atitude que para aquela zona rural, a rapariga era esquisita. O sonho de toda mulher era de apenas casar e fazer família.
Por propósito de Deus, afinal, deixara bons actos naquela casa de trigémeos que a expulsou. Num dia desses, no 2˚ trimestre da 11 ª classe, “recebi chamada de um senhor de Chimoio, mas que trabalhava na vila de Nhamatanda. O meu sonho teve asas”, conta Luisinha.
Era para continuar a ser empregada, mas já noutra cidade, capital de Chimoio-província de vizinha, Manica. “Fui para aquela nova família”.
Lavar pratos, cozinhar, limpar o pátio e a casa, lavar roupas, transportar água, controlar a casa nas noites, “faziam parte da minha rotina, diariamente”. Além dos donos da casa, “eu era a mais velha que guarnecia a casa dos que ficavam, quando os responsáveis estivessem no serviço”. O marido trabalhava noutra província, enquanto a esposa trabalhava de noite no Hospital Provincial de Chimoio. Não era novidade. Apenas foi uma continuação noutra província da rotina.
Vestir, usar cadernos ou material de marca ou algo que fosse apreciável por outras pessoas “eu não tinha naquela casa, mesmo assim agradeço pelo apoio”.
Já com 11ª classe feita, fui visitar novamente aos meus pais depois de um ano. “Quando terminar o ensino secundário, para onde irei, o que farei, terei formação? Eram algumas perguntas que pairavam na minha mente, sem respostas. Servi de piada para quem me conhecia por chorar para estudar. Já és doutora? Me perguntavam em forma de provocação”.
De repente já seguia mesmo aos caminhos de se formar, quando o Director de Comunicação do PNG, Vasco Galante, e a escritora americana Peggy Goldwn visitaram aos meus pais no limite da Gorongosa. Era simples passeio deles, mas foi um passo de formação a jornalista para Luisinha.
Luísa, a única com 11ª Classe feita. Era um milagre naquela comunidade, por isso, os dois quando visitaram, confundiram que eu fosse uma das noras, já que tinha dois irmãos casados vivendo ainda com os meus pais. Infelizmente. Para a surpresa deles, “sou simples filha de camponeses”.
“A escritora Peggy perguntou-me o que gostaria de ser depois de concluir a 12ª Classe? Respondi-lhe que queria ser jornalista porque era o meu sonho. Gostou da ideia e convidou-me ao Parque para aprender Informática e como produzir notícias. Sem pensar, quando fiz a 12ª Classe, o Parque Nacional da Gorongosa já era a minha sexta família”. Afinal, o Jornalismo já estava marcado como realidade.
Em 2015, Luisinha inscreveu-se na Escola Superior de Jornalismo, no curso de Jornalismo na Cidade de Chimoio, de volta àquela província que a viu como empregada e guarda ao mesmo tempo, mas desta vez foi como futura jornalista a licenciar-se em Manica.
De 2016-2020 “fiz minha licenciatura com sucesso, incluindo todas despesas responsabilizadas pela Peggy e o Parque Nacional da Gorongosa”.
Do Profundus ao Progressus
Ainda em 2020, “veio-me o bichinho de criar o Jornal Profundus – Órgão de Comunicação Social que aposta apenas em jovens. Um jornal digital e Online, com sede no distrito onde nasci e fui empregada. A minha intenção é servir de exemplo, contrariando a teoria de que a mulher é nada, não é capaz, pura mentira, repito pura mentira”.
A ideia do Profundus foi louvada pelo Projecto de Restauração da Gorongosa, por isso, apoiou a jovem novamente. “Legalizei-a e já soma 3 anos com uma equipa jovem espalhada no país. E hoje, sirvo-vos o “Progressus” –um sucesso antevisto a modo “Profundus”, apostando na juventude nos seis distritos, nomeadamente, Nhamatanda, Gorongosa, Muanza, Cheringoma, Dondo e Maringué. Um exemplo a servir para principalmente mulheres e jovens da Zona Tampão da Gorongosa”.
Todos do latim. Profundus ou Profundo (português) é tornar à tona os factos. E Progressus ou Progresso (português) é descrever o antes e depois do Programa de Desenvolvimento de Meios de Vida Sustentáveis nas comunidades.
Luisinha, hoje, serve de inspiração para os irmãos que mesmo casados e com filhos, voltaram a estudar. “Na família, fui o primeiro com 12ª Classe, formação e licenciatura. E aqueles que me gozavam, realmente já me consideram exemplo muitíssimo raro na Zona Tampão da Gorongosa”.
O Programa de Desenvolvimento de Meios de Vida Sustentáveis na Zona de Desenvolvimento Sustentável do Parque Nacional da Gorongosa foca-se mais na juventude e mulheres. Dai que não “escapei” com Progressus na visão dos parceiros implementadores.
“Tira o bicho da sua mente mulher, você vai longe, é só acreditar, mergulhar-se e persistir. E é preciso estar com pessoas interessantes para alimentar ideias fascinantes. Apesar de alguns familiares, conhecidos te zombarem e invejosos te barrarem, foca-te, que chegas longe”, encorajou Luisinha. (Muamine Benjamim – Extractos de Progressus).