ENSINO BÁSICO: Os dilemas de Moçambique para que futuro?

No Ano Lectivo Escolar de 2024 e à semelhança do resto do País, o distrito de Cheringoma, em Sofala, conferiu o Estatuto de Escolas Básicas a 22 Instituições de ensino que estão a leccionar da 1.ª à 9.ª Classes.
Quando em 1978 um grupo de dez estudantes foi movimentado das salas da 9.ª Classe da Escola Secundária Samora Moisés Machel, na província de Sofala para a cidade do Maputo onde se juntariam a outros tantos do País inteiro, a visão era de abertura de um ciclo de formação de professores para o Ensino Básico que seria inaugurado em Moçambique em 1980, ano que o Presidente Samora Moisés Machel havia eleito como o do início da década para lutar contra o subdesenvolvimento.
Iam dez candidatos de cada província à excepção de Maputo que contribuiu com cerca de 20, cuja característica diferenciadora era que os das províncias acabavam de entrar para a 9.ª Classe naquele ano, enquanto os idos de Maputo eram os birrepetentes da 9.ª
O que, porém, se pode dizer é que até terminar a década eleita para esse combate, o Ensino Básico ainda não tinha sido introduzido em Moçambique, pelo menos nos moldes sonhados por Samora e Graça Machel a sua esposa, que era, na altura, a Ministra da Educação e Cultura.
É que nessa altura e segundo se informou aos formandos da Escola de Formação e Educação de Professores (EFEP) Filipe Elija Machava sita no bairro de Malhangalene na cidade de Maputo, foi que quando eles concluíssem a formação iriam introduzir um modelo de ensino da 1.ª a 7.ª Classe na mesma Escola e iriam ser capacitados para leccionar estas classes e respectivas disciplinas dentro desse parâmetro o que constituiria a introdução do Ensino Básico no País.
Muitos conhecem as “vicissitudes” pelas quais o País passou até que apenas fosse possível introduzir este formato na altura que se conseguiu, várias décadas depois do sonho.

O caso específico de Cheringoma
Hoje, fala-se do alargamento das classes do Ensino Básico que entrou a reboque do Sistema Nacional de Educação pela Lei número 4/83 e que seria mais tarde aprimorado pela Lei 6/92 com o advento da democratização de Moçambique. Actualmente, se estende até à 9.ª Classe. Daí que é preciso seleccionar escolas para tal se efectivar pelo País todo.
É assim que Cheringoma, província de Sofala, teve que promover 22 estabelecimentos de ensino que eram na altura Escolas Primárias Completas, nomenclatura que desapareceu para dar lugar à de Escolas Básicas, em 2024.
As informações colhidas junto ao Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia (SDEJT) de Cheringoma indicam que ainda existem duas escolas cujo processo carece de confirmação ministerial para também acederem ao Estatuto. Porém, o que mais uma vez parece ser pretensão de dar um passo maior que a perna é o facto de as escolas seleccionadas terem apenas a indicação de que devem introduzir o I Ciclo do Ensino Secundário, portanto a 8.ª, 9.ª e 10.ª Classes sem que as Instituições sejam dotadas de todos os requisitos básicos para um funcionamento sustentável.
O regulamento relativamente ao funcionamento destas classes indica que, onde houver condições, deve ser introduzido o ensino da Língua Francesa a partir da 8.ª classe, sendo continuada nas duas classes subsequentes, a 9.ª e 10.ª. Já no segundo Ciclo do Ensino Secundário, mais especificamente na 11.ª e na 12.ª Classes, a aprendizagem desta língua é reservada aos que optarem por seguir a Secção de Letras. Mas há disciplinas que não são de introdução opcional na 8.ª classe como nos casos de Biologia, Física e Química que no Segundo Ciclo do Ensino Secundário continuarão a ser aprendidas pelos que optarem por seguir a área de Ciências. Ora, mais da metade das escolas em Cheringoma, não tem professores para estas disciplinas, segundo declarações do Chefe da Repartição de Educação Geral no SDEJT, Marcos Macuengere.
Outro constrangimento é o número de alunos por turma. Na 9.ª classe, um levantamento aleatório de escolas deste nível indica:
A Escola Básica da CETA, dentro da vila que viu o actual Presidente, Daniel Chapo a “nascer” tem três turmas, sendo duas de 50 alunos e uma de 51 alunos;
A Escola 3 de Fevereiro a cerca de cinco quilómetros da vila só tem uma turma de 23 alunos e é a única que tem um número considerável de alunos fora do espaço da vila-sede;
A Escola Básica de Chite a sudoeste do distrito tem uma turma de 12 alunos;
A Escola Básica de Bichote a sudeste conta também com apenas 12 alunos;
Na região norte do distrito, existe a Escola de Nângue com 15 alunos numa única turma e Malongue com 18, igualmente numa turma;
Na região sul, pode-se indicar Nhamatope que tem 13 alunos e uma única turma.
Compilados estes dados, facilmente se conclui que existem escolas em que o número de alunos na turma equivale ao número de professores necessários para se dar cobertura ao plano curricular da 9.ª classe que, em bom rigor, obriga a leccionar 13 disciplinas que são: Português, História, Biologia, Geografia, Matemática, Inglês, Física, Química, Francês, Educação Visual e Tecnológica, Agro-Pecuária, Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e Educação Física.

Exemplos do Norte de Moçambique
Nampula, com mais de 20 distritos, é a província mais populosa do País. Para analisar este fenómeno escolheu-se o distrito de Moma que se situa mais a sul da província e faz fronteira com a região central de Moçambique, através do rio Ligonha que a separa da província da Zambézia.
Moma tem um total de 141 escolas, destas apenas dez são Básicas.
Pode parecer prudente a contenção de proliferação de Escolas Básicas sem que haja condições que justifiquem a sua implantação. João Marino, nome fictício para preservar a identidade, assegura que uma das condições que o Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia de Moma exige para uma escola ascender a este estatuto é que, no ano anterior ao da elevação à categoria de Escola Básica, tenha na 6.ª classe pelo menos duas turmas com um efectivo de alunos acima de 150.
Mesmo com esta introdução gradual de Escolas Básicas, subsistem os problemas semelhantes que Cheringoma, em Sofala, enfrenta: insuficiência de professores habilitados para cobrir todas as escolas e disciplinas obrigatórias. E a situação é tão grave que mesmo na Escola Secundária da sede da vila de Moma que funciona há mais de 10 anos a disciplina de Educação Visual e Tecnológica só cobre o II Ciclo do Ensino Secundário. Isto significa que da 7.ª até à 9.ª Classe, os alunos não têm esta disciplina fulcral para quem no futuro queira abraçar a Engenharia Civil ou a Arquitectura.
Moma, segundo João Marino, chega ao cúmulo de ter duas classes, 8.ª e 9.ª assistidas por apenas três professores que simultaneamente são os gestores da mesma, nomeadamente: o director da escola, director adjunto da escola, o responsável pelo sector Pedagógico da Escola e, no caso da Escola Básica de Jagoma no Posto Administrativo de Moma sede é o Chefe da Secretaria que faz a vez do terceiro professor. As outras duas são as Escolas Básicas de Namiwi e Nailocone nas localidades com o mesmo nome no Posto Administrativo de Chalaua a Noroeste do distrito.

Lacunas resultantes do ensino deficitário
Quando os privados pretendem abrir uma escola de nível secundário é-lhes imposta a condição de apresentar, no mínimo, laboratórios e terrenos ou campos de jogos multiusos. Entretanto, no Estado, mesmo as escolas que já têm o estatuto de Secundárias há mais de 20 anos muitas delas não têm um único laboratório, um microscópio sequer ou um simples bico de bunsen.
Sendo que o plano é que todas as Escolas se tornem básicas sem, no entanto, se envidarem esforços paralelos de criação de condições para que ao menos todas as disciplinas sejam leccionadas, teremos a proliferação de alunos lacunosos no nível médio e no futuro de suas vidas.
O distrito de Cheringoma conta com 719 alunos que frequentam a 9ª Classe em 26 turmas, ainda segundo Marcos Macuengere. Em bom rigor está a ser dito que em 2026, no mínimo 650 alunos estarão a frequentar a 10ª Classe. E, em 2027 Cheringoma terá, pelo menos 575 alunos que só poderão seguir a área de Letras no nível médio porque não terão aprendido nenhuma disciplina da área de Ciências que não seja Biologia e mesmo esta, nalgumas escolas com lacunas, pois não existem professores suficientemente habilitados para cobrir todas as escolas que demandam a sua existência.
É este cenário de Cheringoma que, de certeza, está a ser repetido por cada província moçambicana e que vai permitir o País ascender a bons níveis de competências para uma competitividade regional e internacional que se propala nos Planos Quinquenais e outras Estratégias Nacionais de Desenvolvimento vigentes na governação de Moçambique?
Não é com esta realidade que poderemos um dia afirmar que estamos em condições de caminhar com os nossos próprios pés e sairmos da dominação por aqueles que bafejados por sorte melhor ou nascidos em famílias privilegiadas têm a oportunidade de se formarem fora destes circuitos precários de cuja libertação todos precisam levantar-se para protestar e propor soluções. (Ricardo Mapoissa).

 

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